Urgente. Foi descoberta recentemente uma enorme mancha no Atlântico Sul, que está se dirigindo ao norte. O fenômeno tem milhares de quilômetros de extensão e, incrivelmente, é formado por bitucas de cigarro. Por onde passa, impede a oxigenação da água, causando a mortandade de toda a vida marinha abaixo dela. Pode ser o maior desastre ambiental da Terra de todos os tempos.
Sei disso porque participei de uma reunião convocada pela ONU. Não sei dizer bem qual era o meu papel ali. Me sentei próximo ao general que coordenava os trabalhos. Ele vestia uma túnica verde, com botões dourados e detalhes em vermelho. A cabeça era raspada e a sua pele tinha um tom estranho, acinzentado, como costumam ficar os cadáveres em velórios. Mas ele estava vivo, pelo menos era o que parecia.
Paradoxalmente ao desastre, no mesmo momento, a indústria de cigarros anunciou um feito surpreendente: conseguiu eliminar todos os elementos cancerígenos da queima do tabaco. O cigarro é algo bem fora de moda em 2024, cafona mesmo. Bom são os vapes, que não têm cheiro, não fazem fumaça e matam mais rápido. Mas, com a notícia, os cigarros tradicionais poderão voltar aos seus tempos áureos.
Depois da notícia, meus receptores cerebrais entraram em alerta, fiquei com uma vontade louca de fumar. Você que já fumou sabe – e você que nunca fumou talvez tenha ouvido falar -, a saudade de um cigarrinho nunca passa para um ex-fumante. É mais ou menos aquilo, só por hoje. O cigarro é perverso, é uma descarga de prazer a cada tragada. É um prazer bom. Não é como as outras drogas que são boas no início e depois viram a tortura dos viciados. Ele é bom todo o dia e o mal vem silencioso, devagarinho, até ser tarde demais.
Mas tem esse problema aí das bitucas no mar, isso é um problema sem solução mesmo com as novidades tecnológicas. Não confunda a bituca com o Bituca, também conhecido como Milton Nascimento, apelido que ganhou não por causa do cigarro, mas porque fazia beicinho quando criança. O filho da diarista Maria do Carmo (“Maria, Maria… que merece viver e amar como outra qualquer do planeta”. Sacou?) nunca fumou que se saiba, porque a fumaça destruiria aquela voz risonha e límpida.
E foi com o pensamento navegando entre o Bituca e a solução para as bitucas do planeta que acordei do devaneio onírico por causa da vontade de fazer xixi. É sempre assim, quando o sonho tá ficando bom, dá vontade de fazer xixi. E a gente acaba ficando sem saber o final. Nesse dia, voltei pra cama e tentei dormir de novo pra retomar o sonho. Mas nada. Fiquei só pensando nele.
Dia desses, no elevador, um vizinho reclamava da chuva: “O que antes era um temporal, hoje é tempestade”. Todos temos visto a mesma coisa, um aumento da violência dos fenômenos climáticos, antes raros, agora frequentes. Sabemos que o sonho tem diversas serventias, entre as quais a de tentar elaborar os nossos medos.
Nesse novo ano que vai começar – mais uma vez -, gostaria de imaginar que a humanidade vai entender a encruzilhada em que se meteu e acelerar as medidas para reverter o aquecimento global. Se esse dia chegar, poderemos enfim acordar num mundo onde os desastres climáticos sejam apenas parte de um devaneio, e não da nossa realidade.
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Foto da Capa: Gerada por IA