A posse, na semana passada, no Rio de Janeiro, da engenheira Magda Chambriard na presidência da Petrobras, foi uma cerimônia muito prestigiada pelo alto escalão do governo. Estavam lá o presidente Lula e mais seis ministros, entre eles o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. A ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, não estava presente.
No seu discurso de posse, Magda Chambriard declarou: “Não existe transição energética sem falar quem vai pagar essa conta. E é o petróleo que vai pagar essa conta”. Seria uma declaração auspiciosa, se significasse que a Petrobras, que é a maior produtora e fornecedora de petróleo e derivados do Brasil, fosse liderar a transição energética do país. Seria muito bom. Entretanto, os fatos, como veremos abaixo, estão longe dessa realidade.
Antes de prosseguirmos, é importante saber um pouco mais sobre a exploração de petróleo na margem equatorial brasileira, que está no centro de uma polêmica caracterizada por equívocos e desinformação.
A Margem Equatorial Brasileira
Em termos geológicos, a margem equatorial brasileira abrange uma série de bacias sedimentares distintas, distribuídas em uma área predominantemente marítima, que se estende do litoral do Rio Grande do Norte ao Amapá. Apesar de haver evidências de que houve geração de petróleo na maioria delas, trata-se de áreas de geologia complexa, que tem desafiado a busca por acumulações comerciais.
A Petrobras e outras empresas já exploraram petróleo em quase todas as bacias da margem equatorial, sem muito sucesso. A Petrobras produz em pequenos campos no litoral do Rio Grande do Norte e do Ceará. Uma produção pequena, menor até mesmo que aquela dos campos de terra na mesma região.
A Bacia da Foz do Amazonas, que se estende da costa do Pará ao Amapá, é o motivo principal da atual polêmica, pois a Petrobras pretende prospectar petróleo na área, por conta de seu aparente potencial, ainda não explorado.
Esse potencial não é por existir ali uma condição semelhante ao pré-sal, que representou a última grande empreitada bem-sucedida da exploração no Brasil. Não há, com exceção de pequenas áreas, camadas de sal nas bacias da margem equatorial. O potencial se refere a jazidas encontradas nos vizinhos Guiana e Suriname, que contém pelo menos 11 bilhões de barris de petróleo em reservas já provadas.
O termo “Foz do Amazonas” provoca arrepios nos ambientalistas de todo o mundo, pois remete à ideia de que a exploração se dará próximo à Floresta Amazônica, o que não é o caso. Os blocos exploratórios da Petrobras se encontram em águas profundas a 530 km da foz do Rio Amazonas e a 175 km do litoral norte do Amapá. E notem, só há ali um potencial geológico para a existência de petróleo. Até que sejam perfurados poços, não há nenhuma garantia de que haja reservas semelhantes às dos nossos vizinhos, ou mesmo uma gota sequer.
A exploração de petróleo e os riscos ambientais
Toda atividade ligada ao petróleo traz riscos ambientais. O petróleo e seus derivados são tóxicos para plantas e animais (e seres humanos) e todo vazamento representa um grave problema para o meio ambiente e para a saúde da população atingida. No Brasil, a Petrobras tem um histórico muito positivo na exploração e produção no mar, com milhares de poços perfurados e quase nenhum acidente ambiental. No mundo, o maior desastre ambiental ligado à exploração e produção no mar foi o da sonda Deep Horizon, da empresa BP, em 2010, quando uma explosão causou o derramamento de milhões de barris de petróleo no mar, atingindo uma extensa área da costa do Golfo do México, nos Estados Unidos. Acidentes assim, porém, são muito raros.
A maior parte das tragédias ambientais causadas por petróleo ou derivados se dá no âmbito do seu transporte, como foi o caso do famoso acidente com o navio Exxon Valdez, na costa do estado americano do Alasca, que causou o derramamento de 11 milhões de galões de petróleo, menos que a Deep Horizon (1 barril contém 42 galões), mas também extremamente danoso por ter ocorrido mais próximo da costa.
No Brasil, os vazamentos em dutos, aí sim pela Petrobras, na Baía da Guanabara, em 1997 e 2000, quando vazaram, respectivamente, 2,8 milhões e 1,3 milhões de óleo combustível, e o de Araucária, no Paraná, quando 4 milhões de litros de óleo foram despejados nos rios Barigui e Iguaçu, foram os casos de maior porte. Uma série de outros menores, causados pela Petrobras ou por outras empresas, também ocorreram ao longo das últimas décadas.
Vale frisar, por outro lado, que a maior tragédia ambiental com petróleo no Brasil ocorreu em 2019 e 2020, quando o vazamento em um navio petroleiro (de bandeira grega segundo investigação da Polícia Federal), com um total estimado de cinco milhões de petróleo cru da alta densidade, atingiu as praias de mais de 130 municípios de 11 estados do Nordeste e do Sudeste, numa extensão de 2.900 km.
Assim, explorar petróleo perfurando alguns poços a centenas de quilômetros da costa representa um risco ambiental pequeno. Mas, uma vez descoberto, o petróleo tem que ser armazenado e transportado por navios ou dutos, operações onde o risco é bem maior. Além disso, são necessárias bases de apoio para navios e aeronaves que, se forem instaladas sem os devidos cuidados, podem também representar um risco ambiental.
Esse, no meu entender, é a maior ameaça ao meio-ambiente que devemos avaliar nesse caso, pois ao longo da chamada costa amazônica, que se estende por 679 km do Maranhão ao Amapá, há uma faixa de manguezais que ocupa 9 mil km2 e corresponde a 70% dos manguezais do país. É o maior cinturão contínuo de manguezais do mundo.
Eu já falei sobre a importância dos manguezais para os ecossistemas costeiros e marinhos e em como eles estão sendo destruídos pela expansão imobiliária e pela aquicultura na coluna da semana passada. Preservar esse verdadeiro tesouro vivo é uma obrigação e uma necessidade. A implantação de uma indústria do petróleo de grande porte na região pode sim ameaçar sua existência.
A Petrobras e a transição energética
Voltemos à presidente, ou melhor, como está escrito em seu crachá, presidenta da Petrobras. Como eu disse acima, sua declaração de que “o petróleo vai pagar pela transição energética”, além de ser uma frase inexata, pois “o petróleo” não paga nada – quem vai pagar nesse caso somos nós, consumidores – não é corroborada pelos fatos.
Seu antecessor na presidência da empresa, Jean Paul Prates (que, aliás, declarou que “a Petrobras será a última empresa a parar de produzir petróleo no mundo”) conseguiu, e me parece que às duras penas, incluir 11 bilhões de dólares de investimentos em energias renováveis nos 100 bilhões que a Petrobras pretende investir até 2028. 11% portanto. O que é muito pouco.
A iniciativa privada investiu 25 bilhões de dólares em energias renováveis no Brasil apenas em 2023!
Os números da Petrobras mais parecem os de outras petroleiras. Segundo o economista chefe a Agência Internacional de Energia, Tim Gold, a indústria do petróleo é responsável por cerca de 1% dos investimentos em energias renováveis no mundo1. Embora, pelo que tenho observado, esses projetos devam corresponder a 90% de sua publicidade!
No caso da Petrobras, boa parte dos 11 bilhões de dólares serão aplicados na aquisição de usinas de biocombustíveis, ou seja, não serão novas frentes, apenas negócios já consolidados que mudarão de dono. Não é o que se espera de uma empresa que afirma que vai liderar a transição energética do país. O que seria desejável, dada a experiência, capacitação e porte da Petrobras. Mas não me parece que esse compromisso seja verdadeiro.
Investir pouco em energias renováveis e fazer muita propaganda. Afirmar que vão liderar a transição energética. Se comprometer que serão carbono zero até, digamos, 2050, sem se importar com o fato de que seu produto é que gera a maior parte das emissões de gases de efeito estufa. Estas são as táticas das empresas de petróleo para manter a opinião pública iludida enquanto, no fundo, acreditam que o mundo vai consumir muito petróleo até pelo menos o final do século. Apostando que a realidade, que até aqui confirma sua visão, não vai mudar significativamente.
A Petrobras ainda afirma que para garantir a “segurança energética” precisa iniciar a exploração de novas áreas, como a Foz do Amazonas e a bacia de Pelotas, no sul do Brasil. Mas onde estão os números que justificam isso? Quanto de petróleo o Brasil ainda pode produzir nas áreas já descobertas, como o pré-sal, com suas reservas de 11 bilhões de barris? Quanto de petróleo “novo” será realmente necessário? Se as projeções forem de uma significativa dependência do petróleo em 2050, a empresa e o governo estão equivocados. O Brasil tem que almejar ser zero carbono em 2050. Ou seja, com a maior parte de sua energia sendo obtida de fontes renováveis e com a devida compensação pelo pouco petróleo que não teremos conseguido substituir.
Que exemplo queremos ser para o mundo?
A questão que permeia toda essa discussão é: que país queremos ser? Vamos continuar planejando um desenvolvimento econômico com os olhos para o passado? Vamos continuar a ser vítimas da “maldição do petróleo”2?
O mundo está com os olhos voltados para o Brasil. E vai ficar mais ainda quando a COP 30, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, for realizada em Belém, em plena Amazônia, no ano que vem. Explorar de forma açodada a Bacia da Foz do Amazonas, mesmo que não represente todo o risco que pode parecer, me parece que enviaria a mensagem errada para o mundo.
O Brasil pode ser um dos líderes mundiais em sustentabilidade3. Temos condições de atrair investimentos para quase todas as áreas relevantes para tornar o planeta mais sustentável: energias renováveis, preservação de ecossistemas, prevenção de desastres naturais, e muito mais.
A escolha caberá à sociedade brasileira, lembrando que esse é um ano de eleições municipais. E que 2026, quando teremos eleições gerais, está muito próximo. Seria bom se escolhêssemos que o país, e sua principal empresa, voltassem os olhos para o futuro.
1Informação do jornalista André Trigueiro no programa Estudio I, da Globo News.
2O termo “a maldição do petróleo” se refere ao fato de que a maioria dos países pobres onde se descobriu grandes quantidades de petróleo continuaram tão pobres como antes, e mais violentos. Apenas sua elite dominante ficando mais rica (e corrupta). No Brasil, a maioria das cidades pequenas e médias que recebem anualmente milhões de reais de reais por meio de royalties apresenta baixíssimo Indice de Desenvolvimento Humano (IDH).
3Veja mais detalhes sobre o potencial da utilização de energias não renováveis pelo Brasil no meu livro “Planeta Hostil”. O livro, que descreve de forma abrangente os processos de degradação ambiental do planeta, pode ser adquirido em livrarias físicas e online de todo o Brasil, no site da editora Matrix (www.matrixeditora.com.br) e em livrarias online como a Amazon.
Observação final: para vídeos e textos adicionais confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Manguezal – Plena Mata
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