Ataulfo Alves é um dos maiores artistas da história do samba. Nos seus quase sessenta anos de vida – nasceu em 1909 e morreu em 1969 – compôs mais de trezentas e vinte canções, emplacando vários sucessos.
“Quero morrer numa batucada de bamba/na cadência bonita do samba”, ele canta nessa música em parceria com Paulo Gesta e Matilde Aide Souza. Já, em parceria com Arthur Vargas Jr., sentencia: “Quanto mais conheço o homem/mais eu gosto do meu cão”.
Ataulfo escrevia versos desde os oito anos de idade. Mas teve que levar a vida desempenhando várias outras profissões. Foi leiteiro, condutor de bois, carregador de malas, menino de recados, engraxate, marceneiro e lavrador. Tudo isso enquanto frequentava a escola. Mais tarde, aos vinte anos, passou a acompanhar um médico como ajudante de farmácia.
Seu primeiro samba gravado foi em 1933, Sexta-feira, por Almirante. Em seguida, Carmen Miranda gravou Tempo Perdido, colocando de vez Ataulfo Alves no mundo artístico.
Numa das suas composições mais conhecidas, Laranja Madura, fez um sutil e inteligente jogo com a inversão de um nome feminino. A alteração gera outro nome, revelando todo o infortúnio desse “eu” da canção.
Vale ir saboreando passo a passo a letra. Começa cantando “Você diz que me dá casa e comida,/boa vida e dinheiro pra gastar/O que é que há, minha gente, o que é que há?/Tanta bondade que me faz desconfiar”.
Dessa indagação, vem a comparação com uma imagem que define bem todo o seu pé atrás: “Laranja madura na beira da estrada/tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé”. E prossegue: “Santo que vê muita esmola na sua sacola desconfia/e não faz milagres, não”.
Agora entra a genialidade de quem sabe que, na arte da letra, assim como escreveu Drummond em seu poema Procura da Poesia – “Chega mais perto e contempla as palavras”, o trabalho fundamental é ser criativo com a linguagem. No final da sua letra de Laranja Madura, Ataulfo Alves diz: “Gosto de Maria Rosa mas quem me dá prosa é Rosa Maria/Vejam só que Confusão”.
Toda a tragédia desse eu, cantada com bom humor, se concentra nesse sutil deslizamento da troca de lugar entre as palavras Maria e Rosa. Diferentemente da lei da matemática, aqui a ordem dos fatores altera o produto: Maria Rosa não é Rosa Maria.