O destempero, o desequilíbrio e o descaso desses tempos que estamos vivendo assustam muito. Ler, ouvir ou olhar os noticiários e comentários dos veículos de comunicação no dia a dia é um pontapé na esperança. A violência, que é mundial, vai das guerras alimentadas por líderes ambiciosos e sem escrúpulos aos conflitos ligados ao tráfico de drogas, à falta de critérios da polícia que chega atirando, ao racismo, ao assassinato brutal de mulheres e ao assédio e estupro de crianças e adolescentes, o que me tira o fôlego. Abusos muitas vezes com a conivência de mães, pais e familiares. Segundo pesquisas, 71% dos casos acontecem dentro das casas e os responsáveis são homens. Mais de 12 mil casos foram registrados somente em 2025 no RS, envolvendo meninas de 6 a 8 anos. São dados que inquietam, atordoam, provocam muito medo e vêm de todos os lados. Não há sossego. Muito menos uma reflexão profunda e ações concretas para frear qualquer tipo de abuso. Não há como relaxar. Tudo é intempestivo. Tudo vira um debate sem fim. Como agir? Como orientar? Como ensinar a criança a se cuidar, reagir, contar, denunciar? Como acolher uma criança vítima de abuso, que não consegue verbalizar o que sente? Há um distanciamento grande de uma conversa franca, urgente e necessária, que não intimide. Desaprendemos o diálogo, o bate-papo leve e solto, sem amarras?
Direitos e deveres dos cidadãos precisam ser enfrentados sem medo, doa a quem doer!
18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Este foi o 25º ano da mobilização, criada por Lei Federal, mas ainda há muito a ser feito porque as estatísticas são assustadoras. E nessa roda viva asfixiante, é fundamental ter muita atenção. Não embarcar em qualquer proposta, qualquer ideia, qualquer discurso. Precisamos aprofundar o conhecimento, exigir mais, solidificar as relações e buscar respostas plausíveis para uma realidade complexa. Sair da superficialidade, das respostas prontas, das fake news e dos discursos de influencers em busca de likes nas redes sociais. O imediatismo não leva a nada. Não analisa. Não resolve. Não sedimenta. Não cria raízes. Mas é dele que muita gente se alimenta. É preciso coragem. E ponto final!
Sigo pensando que o mundo nunca esteve tão desregulado e amplio o meu raciocínio. Quem não anda pelas ruas, não espera nas longas filas dos centros de saúde, não trabalha de sol a sol, não tem filhos vulneráveis e sem escola, não passa pelo centro nevrálgico das cidades, não enfrenta o preconceito cotidiano, certamente não vê a angústia de muitos rostos. A miséria se espalha, a sujeira se amontoa pelas calçadas, a velhice é maltratada, a educação é minimizada, a saúde sem recursos, mães e filhos sentados perto de supermercados pedindo alimentos, crianças abandonadas nas ruas e esquinas pedindo qualquer coisa para comer, paradas de ônibus entupidas de gente, ônibus abarrotados, o destempero generalizado.
Quem vive protegido por altos salários, muitos legislando em causa própria, usando e abusando do dinheiro público que deveria estar na educação, na saúde, na segurança e no acolhimento social, não tem olhos para esta triste realidade. E ainda argumentam – “Não tenho nada a ver com isso”. Mas tem, sim! Todos nós temos!
Minha esperança é que esses tempos exacerbados acendam algumas luzes e que as pessoas que convivem com tais violências tomem atitudes, denunciem e não virem cúmplices por covardia.
Para finalizar, a palavra sábia e simples de José (Pepe) Mujica – “Precisamos consumir menos, trabalhar menos, ter menos contas para pagar e aproveitar mais a vida, que é mágica e inigualável. O capitalismo rouba a alma e a vida das pessoas. A pobreza nos desumaniza e, sem justiça social, não podemos ser felizes. Essa sempre foi a minha luta”. Que seja a nossa também!
*O título deste texto é inspirado no livro de crônicas do escritor José Falero, “Mas em que mundo tu vive” (Todavia, 2021). Dele, li também “Os Supridores” (Todavia, 2020), “Vila Sapo” (Todavia, 2022) e, recentemente, “Vera” (Todavia, 2024). Natural de Porto Alegre, Falero traz na sua literatura a realidade das periferias que estão muito perto de nós e que desconhecemos. Leituras que recomendo!
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Foto da Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil