Você conhece aquela história de que isso jamais irá acontecer comigo ou com os meus filhos? Pois saiba que, segundo o Instituto Locomotiva, só nos primeiros sete meses desse ano, 25 milhões de brasileiros passaram a fazer apostas online, são 3,5 milhões de novos inscritos por mês. Você, sua família e seus amigos podem nunca ter apostado no jogo do bicho ou nas loterias, mas agora é diferente. As BETs misturam a paixão pelo esporte com a facilidade de fazer uma aposta pelo seu celular durante um jogo. Tudo isso super estimulado por influencers, ex-jogadores, artistas e o patrocinador do seu time do coração, afinal, as BETs patrocinam 95% dos clubes de futebol da série A.
A propaganda das BETs é “aposte com responsabilidade”, “venha se divertir”, o que parece ser inofensivo. Você pode estar pensando: “aposta quem quer!”, eu não aposto e não estou preocupado com isso. Na verdade, todos nós estamos sendo afetados. As pesquisas mostram que o perfil dos apostadores são homens, jovens e de classe média baixa. Eles apostam cinco, dez ou vinte reais por dia. Não é muito, mas para quem ganha um a dois salários-mínimos, isso pode representar de 10% a 40% do salário. Esse era o valor que alguns jovens gastavam em lazer, e que agora preferem ficar em casa assistindo uma partida de futebol e apostando, sonhando com a sorte. Vinte reais por dia, no final do ano, são sete mil e trezentos reais, que a pessoa não percebeu que gastou.
Eu fiquei impressionado com as cifras e com a repercussão que isso está tendo na mídia e nas redes sociais. O curioso é que as críticas vão de canais identificados com a esquerda, como o ICL, passando por Folha de São Paulo, até os de direita como o jornal da Record. Chama atenção também, que não são só os sociólogos que estão preocupados com esta questão, os varejistas, o dono do mercadinho da esquina, da pizzaria do bairro, todos dizendo que já estão sentindo o impacto.
Em 2018, o ranking dos quinze países que mais gastavam dinheiro em apostas tinha em primeiro lugar o Reino Unido, seguido pelos EUA, Turquia, Índia, África do Sul, etc. e o Brasil não aparecia nessa lista. Ainda em 2018, logo após a liberação do jogo pelo governo Temer em 2017, o Brasil já passou a ocupar a sexta posição no ranking mundial. Em 2019, passou para segundo colocado e, em 2020, tornou-se o país do mundo que mais gastava dinheiro com apostas em sites de apostas. Em 2023, atingiu o dobro do valor apostado pelo segundo colocado, que é o Reino Unido.
Fazendo um rápido histórico, as BETs foram autorizadas em 2017 no final do governo Temer com o compromisso de serem regulamentadas em até quatro anos, mas nada aconteceu e elas se proliferaram, chegando a ter cerca de 300 BETs operando, algumas dando golpes nos apostadores que não podiam reclamar, pois elas não tinham representação legal no Brasil. Com a aprovação da Lei 14.790/23, elas terão até primeiro de janeiro de 2025 para se regularizarem, o que trará mais segurança, mas não protege o consumidor como a lei holandesa, que faz um cruzamento dos dados do apostador com a sua renda e permite que ele aposte no máximo 10% da sua renda.
Atualmente não se sabe exatamente o valor apostado no Brasil, estima-se que em 2023 as apostas foram entre 60 e 120 bilhões e que as pessoas tenham perdido 24 bilhões de reais. Para se ter uma ideia, só o valor perdido é superior ao que o Brasil inteiro gastou comprando arroz. A pesquisa mostra que 36% dos que ganharam usaram o dinheiro para outra finalidade e os 64% restantes voltaram a apostar e perderam. Nos EUA, desde que foram legalizadas as BETs houve uma redução da poupança das famílias em 14%. Como diz o Prof. Roberto Kanter da FGV: “A banca sempre ganha! Você pode ganhar uma vez, mas se continuar apostando, vai perder, isso é inevitável”.
Essa realidade nos afeta ao nível pessoal e como sociedade. Ao nível pessoal, se você ainda não é apostador, não caia na tentação do “venha se divertir”. Se já é, tenha a consciência que vai perder sempre e que certamente existem outras formas mais interessantes de você se divertir. Pensando na sociedade, urge uma campanha de educação financeira nas escolas, universidades e nas empresas, que mostre a lógica dessas empresas e do jogo em geral, bem como que existem instituições de apoio para quem desejar se tratar.
O termo “ludopatia” significa “dependência patológica do jogo”, que é caracterizado quando a pessoa aposta valores causando prejuízos funcionais na sua vida, ou quando afeta suas relações sociais, o torna mais ansioso, etc. Obviamente que nenhum apostador admite isso. A psicologia explica que o desejo de apostar é uma busca por recompensas. Se o apostador não consegue parar sozinho, é porque está viciado e precisa de ajuda de um profissional. Precisamos tratar os apostadores, viciados em internet, etc. assim como os alcoólatras e dependentes químicos, eles precisam de ajuda, não de xingamentos ou indiferença.
Referências:
- ICL - Mercado de apostas é o maior problema do Brasil
- ICL - O que as bets e o mercado de apostas estão gerando no nosso país é o caos! Eduardo Moreira
- Revista Exame - Bets: como empresas de apostas esportivas veem a aprovação da lei que regulamenta o setor
- Infomoney - Bets no Brasil: como identificar a empresa regulada? Veja dicas para se proteger.
- Record News - Varejo teme ser prejudicado pela expansão das "bets"
- Folha de São Paulo. Bets viram atrativo para influencers e podem ser usadas para lavar dinheiro. p. A38, 5 de setembro de 2024.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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