Que as redes sociais são o inferno na terra, isso a gente já sabe. Você pode perder o seu dia e noite e madrugada inteiros assistindo, curtindo, chamando alguém de linda e maravilhosa ou batendo boca com desconhecidos, entre outras coisas irrelevantes para a sociedade. Em apenas 3,1415926% dos casos, você vai aprender alguma coisa, e nem sempre útil.
Mas diante desse mundo invertido, o fenômeno mais curioso e inexplicável são os influencers e os seus influenciados. Quem são, de onde vêm, do que se alimentam? De onde sai tanto dinheiro que essa gente esfrega na nossa cara, como se todo mundo pudesse magicamente comprar aquele carro, aquela bolsa ou ter aquela pele cheia de peeling e botox apenas comprando o creme Jujuba Plus Gold de procedência duvidosa?
Pra começar, existem castas, claro, no reino dos influencers. Tal qual na Idade Média, no quase topo da pirâmide está a realeza, aqueles com milhões de seguidores orgânicos – sem os agrotóxicos do impulsionamento ou perfis falsos, em teoria. Tem a corte, aqueles que puxam o saco da realeza e querem ter todo prestígio e poder dos nobres, mas são apenas caçadores de likes e seguidores. Embaixo de tudo e sustentando esse castelo de cartas toda, adivinha? Sim, queridos, nós, as pessoas, melhor, os influenciados. Não pense que esqueci do topo da pirâmide não, lá está o clero, o Santo Graal, os verdadeiros e silenciosos donos do jogo todo: as redes, que lucram por tudo quanto é lado, das propagandas à venda dos nossos dados.
Mas é a ideia dessa gente, de pensar que podem influenciar alguém com qualquer bobagem, que me espanta. Me espanta mais ainda que às vezes funciona, e uma idiotice sem tamanho viraliza. E quando se pensa que nada pode ir mais baixo, vem uma lacração, um barraco, um falso bafão ou um cancelamento. Tudo para engajar.
Alguns desses pseudo-influencers do baixíssimo clero, além de vazios, são uns chupins mal-intencionados. E não estou falando dos coachs mágicos, vendedores de ouro de tolo e criadores de milionários, esses são a escória do mundo digital, de quem quero falar em outra ocasião com muita gana e dados.
Voltando aos influencers falcatruas, uma amiga que tinha um café numa turística cidade da Serra Gaúcha já teve que aturar influencer luxando de casaco de pele no verão, pedindo café (veja bem, café) de graça pra fazer uma live que poderia trazer mais turistas de casacos de pele da sua excursão para o negócio. Uma oportunidade de investimento imperdível, tudo a preço de café. Sim, porque o objetivo de quem tem um café é servir cafezes de graça para influencers. Você leu certo, e cafezes é um tipo de café especial, elaborado com os restos estomacais de quem dá o sangue pra servir bem os clientes.
Corta. Novo cenário, onde anos se passaram, e já com novos donos, outro influencer surge no mesmo café, fazendo uma live sem pedir licença, mas pedindo café de grátis. Quando recebe a conta do cafezinho, sai sem pagar, fala mal do negócio, pede o cancelamento e sentencia como o pior café da cidade.
Esse comportamento não é novo e só tem piorado. Felizmente, a resistência existe, como no caso de 2018, quando um dono de hotel de Dublin viralizou ao expor uma youtuber que queria se hospedar de graça em troca de bons reviews, e baniu todos os youtubers pedinchões dos seus estabelecimentos – sim, além do hotel, ele tem um café.
Eu poderia usar a palavra chantagem, mas realmente acho que chinelagem digital descreve melhor o que estamos vivendo. Não é nem mais publicidade, nem merchandising, nem troca, é o submundo dos 15 segundos de fama e o poder que a gente dá pra essa gente. Estamos dando palco pra muito mais malucos que em qualquer outra época, e o nosso afastamento da realidade não é mais um perigo e sim um fato.
Admiro e sigo muita gente, na vida real e pelas redes, mas estou cada vez mais seletiva. Se for pra viver da péssima influência de influentes toscos, prefiro que me cancelem logo, por favor.
Foto da Capa: Ilustração de Iotti / Divulgação
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