Quem nunca ouviu que “as pessoas a gente conquista pelo estômago”? Como toda frase pronta, não tem sentido solta, apenas ligada ao contexto e intenção de quem fala. Mas, também como toda frase pronta, traz uma informação subliminar básica que faz sentido para todos. Nesse caso, entendo eu, é que as pessoas são “pegas” pelo que as alimenta. Não será o supérfluo que vai engajar. Puxando a brasa para a pauta, se a cultura quer ter o espaço que merece, precisa fazer brilhar o que sustenta o mundo hoje: grana!
Nos meus tempos de trabalho na comunicação, sempre foi um desafio concretizar o impacto de projetos, tanto pelo seu fator intangível quanto pela sua pluralidade. Fato que, ainda bem, vem mudando. As medições, em algum nível, sempre existiram, mas eram ou inacessíveis ou pueris demais para serem usadas como argumentos na defesa de uma ação para um possível patrocinador, ou mesmo como retorno, depois de feito o investimento. Hoje, como dado concreto, sabemos que, em 2020, a economia da cultura e das indústrias criativas representou 3,11% do PIB no Brasil. Isso é mais que a indústria automobilística, xodó dos desenvolvimentistas e infinitamente mais nociva ao planeta.
Tá bem, “dinheiro não compra felicidade” e o “amor não tem preço”, mas pulverizar cultura, sim. Mesmo com os valores da arte, da cultura e da criatividade imensuráveis, executar um trabalho que fortaleça o vínculo com as raízes ou incentive a leitura na infância tem um preço. Esse investimento está se distanciando do viés de simpatia ou empatia do público e chegando no patamar de ser, palpavelmente, lucrativo. A base dessa monetização é a produtividade, a capacidade de fazer mais e melhor, ao mesmo tempo. O trabalhador com pensamento crítico e capacidade de interpretação será mais eficiente na estruturação para as abaladas habilidades socioemocionais.
O paradigma a ser quebrado no setor criativo é a ojeriza ao dinheiro e a quem o tem. Toda relação é desapego e concessão. Sem comprometer valores essenciais, claro, é importante a organização buscar apoiadores que possam financiar e, por que não, ter um retorno monetário sobre um projeto institucional. Pagar com justiça um trabalhador da cultura também é fomentar a área; assim como atingir um público só acessível por horas de viagem. Ser um projeto vendável não pode desqualificar como ação cultural e/ou educativa.
Atualmente, muitos desses investimentos vêm de organizações financeiras ou grandes corporações, que já perceberam as vantagens e têm os recursos para investir. Tenho restrições grandes aos bancos e seus meios de lucrar, mas são instituições que vão ganhar sempre, tanto faz se a sociedade venda, ou não, carros, apartamentos, eletrodomésticos, livros ou cultura. Distribuir cultura e pensamento criativo a todos é um fim que terá de passar por alguns meios: esse caminho não pode ser fechado sem alguma dose de negociação.
E para a surpresa de ninguém, junto à disseminação da indústria cultural e criativa, surge um aliado incondicional: a educação! Mas o quadro também precisa de retoques grossos. Estamos numa transição (há quantos anos?) de uma educação montada para a indústria, com mais dogmas que liberdade. Para consumir cultura e ter a criatividade como instrumento, a sala de aula está mudando. É um processo bem mais profundo que o de aceitar apoio e recursos financeiros, mas a sala de aula está mudando e abrindo espaço para um ensino mais amplo.
Mais na educação, mas também na relação cultural, o setor público tem papel central. As medições dos dados da indústria do entretenimento são criadas com o apoio de Municípios, Estados e União. Os valores hoje destinados à cultura são volumosos e muito diversos. A unificação desses dados, do público pela burocracia e do privado pela necessidade de retorno, cria uma rede que deve orientar e fortalecer uma direção mais homogênea dos investimentos. Um pensamento otimista, confesso, mas embasado na qualidade que conheço de quem faz pela cultura.
A economia da cultura e da indústria criativa têm uma capilaridade única. Cada projeto tem espaço para os mais variados trabalhadores, de barões da noite a ambulantes com água no isopor, do dono do restaurante à gorjeta do garçom; do cantor do disco de ouro e do ator do Kikito (pra ficar por aqui) ao artista de rua. Além de fomentar diferentes regiões da cidade, como uma feira, que pode ter as mesmas bancas em áreas diferentes, movimentando bares, transporte e ocupação de espaços de outros locais. Diferente de uma fábrica, por exemplo, que gera um desenvolvimento mais estático.
A questão aqui é provocar, tanto que faz como quem investe. A riqueza, venal ou emocional, tem valor na amplitude. Com o conhecimento (e a educação para ser dono dele), teremos uma população mais preparada para exercer e exigir a cidadania, sentimento necessário para um mundo mais homogêneo e resiliente. O que escrevo aqui tem base em publicações (não de rede social), matérias, estudos e está em apresentações e seminários espalhados por aí, mas a costura é com meu tecido. Abasteça seu arcabouço e busque sua forma de lutar. A mudança de verdade só acontece de dentro pra fora!
André Furtado é, por origem, jornalista; por prática, comunicador, de várias formas e meios. Na vida, curioso; nos Irmãos Rocha!, guitarrista. No POA Inquieta, articulador do Spin Música.
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Foto da Capa: Presença Festival / Divulgação