No mês em que temos um dia internacional dedicado à luta pelos direitos das mulheres, resgato aqui a lembrança daquelas que travam a luta desigual contra a destruição do meio ambiente.
Uma luta em que não se trata apenas de “salvar” o reino da natureza, mas também de fazer frente ao conjunto de forças atuantes políticas, geopolíticas, econômicas, com suas estratégias feitas para capturar o desejo dos sujeitos, causar silenciamento das suas vozes.
Falo do universo feminino de agricultoras, quebradeiras de coco, quilombolas, pescadoras, ribeirinhas, indígenas, mulheres que trabalham com sustentabilidade no mundo corporativo ou funcionalismo público, ativistas ambientais, professoras.
Em cada um dos espaços em que estão estas diferentes mulheres, em (quase) total invisibilidade pela grande maioria da população, há um sofrimento peculiar, além daqueles inerentes ao próprio existir, que lhe fazem também marcas profundas.
É causado pelo esforço heroico para repercutir os relatos dos modos de vida dos territórios em que estão inseridas, os desafios que enfrentam em virtude dos processos de devastação e especulação dos bens comuns naturais.
Mulheres invisíveis nas suas dores, materializando como nunca, a raiz da desigualdade feminina.
Como a psicanálise pode nos ajudar diante desse cenário?
Devemos nos lembrar de Freud que, em 1893, começou as suas descobertas ouvindo mulheres conhecidas como histéricas, que manifestavam sintomas físicos como dores no corpo, paralisias, enxaquecas, cegueira, surdez etc.
Freud as escutava, traduzindo suas palavras, frases desconexas, em tudo aquilo que não podia ser dito socialmente, desejos que não podiam ser experimentados, lembranças que não podiam ser trazidas à memória. Foi graças a fala delas que o Pai da Psicanálise descobriu uma modalidade inteiramente nova da relação humana.
As histéricas de outrora nos parecem terem caído de moda, mas na verdade o seu sofrimento se reveste sob outras faces em termos da exposição dos corpos, da vida profissional, da maternidade, da sexualidade, a busca de mecanismos e formas de garantir a própria sobrevivência no mundo patriarcal, neoliberalista.
Se essas questões são complexas dentro de um contexto urbano, sob os holofotes da exposição midiática, o que podemos pensar no contexto socioambiental, localizados na sua maioria, distantes desse cenário?
Nesse sentido, minhas reflexões apontam essa lacuna da tematização acerca do sofrimento psíquico na área socioambiental, em especial quando falamos de mulheres, de suas históricas lideranças e importantes participações na luta pelos direitos humanos e em defesa da conservação.
Proponho, dessa forma, o desafio de tornar visível o sofrimento dessas mulheres que, atuam em prol e na causa ambiental, ainda que isso possa soar, de imediato, como algo estranho, diante do imperativo que a cultura prega da busca de uma felicidade universal.
Justamente diante da imposição em ser feliz o tempo inteiro, da necessidade de ser forte, resiliente, diante do fracasso das instituições no cuidado de seus cidadãos, é que se destaca a importância em tornar visível o sofrimento psíquico que atravessa as causas socioambientais.
Aprende-se com Freud que não há cura para a dor, mas há sim como lhe dar destinos diferentes. Mas, para que isso aconteça, é necessário falar sobre ela. Não sofremos da mesma maneira, nem de forma igual ao longo do tempo, o sofrimento se altera e se transforma e, justamente por isso, devemos fazer uma aposta em torná-lo visível em suas diversas nuances.
Se queremos, afinal, construir soluções coletivas será preciso, sem dúvida, destrinchar os aspectos subjetivos da nossa contemporaneidade que, fundamentalmente, dão corpo a tudo isso.
Quem são essas mulheres? Por que lutam? O que querem? E fundamentalmente, o que sonham para si mesmas?
Lembro-me de um fragmento de Álvaro de Campos: “Esta velha angústia, esta angústia que trago há séculos em mim, transbordou da vasilha, em lágrimas, em grandes imaginações, em sonhos em estilo de pesadelo sem terror, em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum”.
Mas, ao contrário do poeta, a psicanálise nos ensina que é possível dar novos destinos ao nosso sofrimento. Então, que as dores, desejos, anseios das mulheres socioambientalistas transbordem em suas merecidas dignidades, com novos sentidos, plenas de imaginação para a construção de futuros melhores.
Foto da Capa: Reprodução do Youtube – Trailer Documentário “Encantadas”
*Ana Lizete Farias é psicanalista, geóloga- UFRGS; MSc. Geologia Ambiental – UFPR; Dra. em Meio Ambiente e Desenvolvimento – UFPR