Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias aqui em Portugal é sobre uma influencer, Joana Mascarenhas (foto da capa) que divulgou o método infalível que utiliza para “educar” a filha em momentos de birra infantil. Super segura e com um certo ar de quem está apta a dar conselhos, contou que tudo começou com um episódio na piscina. “Eu não disse nada, eu nem ameacei. Peguei nela e submergi-a na piscina até aqui (pescoço). Aquilo desconcentrou-a, o cérebro foi para outra coisa. Agora estava com frio e deixou de chorar. Ao tirar-lhe o foco da birra que ela estava a tentar ganhar(…) Já não faz nenhuma birra na piscina há mais de três semanas. Ela percebeu que se há birra na piscina, ela vai à água”.
Já não bastasse a frieza deste relato, a mãe lacradora continuou dizendo que não foi a única vez em que “castigou” a filha desta forma. Contou que uma madrugada destas a criança fez birra novamente e para que parasse, voltou a molhar a menina com água fria, só que desta vez vestida – de pijamas – e na banheira de casa. Não vou dizer por enquanto a idade da criança.
O episódio, obviamente, gerou polêmica e acabou na justiça. O Ministério Público abriu um inquérito e será apurado no âmbito de violência doméstica.
Poderia ser apenas mais um caso de abuso do poder parental não viesse acompanhado da total falta de noção desta mãe em fazer disto algo público e, como tudo indica, digno de recompensa . Sim senhores e senhoras, ela publicou no Instagram em busca de “likes”. O raciocínio é mais ou menos assim: lacrei (no sentido de arrasei) como mãe e mereço aplausos. Pobre criança! Personagem incidental na trama de uma sociedade adoecida pela superexposição. Não que seja tema novo, mas acho que é nosso dever seguir lutando contra uma enojante normalização do “tudo é permitido”.
Faço aqui uma analogia com o mito da Caixa de Pandora, onde os deuses colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra, a discórdia, as doenças do corpo e da alma. As plataformas abriram, de certa forma, esta caixa.
Acho que precisamos dar um passo atrás e olhar para o papel que a tecnologia está desempenhando em nossa sociedade como um todo. A vulnerabilidade já não está mais associada somente aos adolescentes, os adultos também estão vulneráveis.
As mídias sociais têm essa natureza de reforço, para o bem e o mal. Vários estudos já mostraram como elas ativam o centro de recompensa do nosso cérebro liberando dopamina, a “substância química do bem-estar” que também está ligada a outras atividades prazerosas, como sexo, comida e jogos. Os likes e comentários são gratificações instantâneas.
A mãe/influencer ou melhor, a influencer/mãe, pois está claro qual é o papel principal, primeiro deletou o post e logo apagou as contas. Provavelmente vai entrar em síndrome de abstinência. Fechou, pelo menos por enquanto, a caixa que tinha nas mãos. Que sirva de exemplo. E se voltarmos ao mito, na Caixa de Pandora havia um único dom: a esperança. Nela que devemos colocar esforços. Menos lacração e mais coração, por favor.
PS: a criança birrenta tem três anos de idade.
Foto da Capa: Freepik