Algumas palavras me dão bolinhas na pele. Alergia? Não! É o que estas palavras impõem e os caminhos que apontam para seguirmos. Opções que nunca sintonizaram com os meus caminhos: Meritocracia, Superação, Capacitismo.
A meritocracia diz que, independente da nossa história individual e do meio social em que estamos inseridos, nosso sucesso pessoal ou profissional relaciona-se apenas às nossas aptidões e aos nossos esforços. Traduzindo: “A capacidade de prosperar e de atingir os objetivos profissionais desejados está estritamente vinculada ao empenho que cada indivíduo vai dispor para tal”. É uma perspectiva que considera as ações dos indivíduos determinantes para o sucesso, sem observar trajetórias e ambientes em que fomos criados e vivemos. Partindo desta perspectiva reducionista, a ascensão social é o resultado do empenho e da dedicação de cada um. Ponto final.
A pergunta que fica é: basta apenas o esforço individual e a determinação para as pessoas atingirem seus objetivos, sonhos e expectativas de se tornarem criaturas bem-sucedidas? O meio em que foram criadas, as condições e o contexto social que compartilham não são fatores que devem ser considerados? Se olharmos sem filtro para a realidade brasileira desde o descobrimento do país – invasões, escravidão, desigualdades sociais, discriminações de raça, cor, gênero, preconceito com as diferenças, privilégios que algumas camadas da população têm desde o berço e outras, as sem berço, não têm, cargos públicos “hereditários” e muito bem remunerados – o modelo do mérito responde à pergunta?
O discurso da meritocracia serve apenas para justificar a desigualdade social e a ideia do homem voltado para si mesmo ao pregar que o mais esforçado será recompensado pelo seu empenho. O “self-made man” norte-americano? Aquele que por seus próprios méritos atinge seus objetivos, viabiliza o aumento de renda e a qualidade de vida?
E as populações marginalizadas, como os indígenas que já viviam nas terras brasileiras “descobertas por Cabral”? E os negros trazidos da África para serem escravizados, depois “libertados” e jogados na vida sem as mínimas condições? E aqueles sem recursos, que precisaram trabalhar ainda muito jovens para ajudar as famílias e não conseguiram estudar? Esses devem ser castigados? O discurso do mérito pessoal é hipócrita porque considera a ascensão de alguns e o declínio de outros sem um olhar humano abrangente, acompanhado de análise das condições em que as pessoas nascem, crescem, trabalham e vivem. A naturalização da desigualdade social, que enaltece o indivíduo esforçado, merecedor de recompensa pelo seu empenho, reforça o individualismo, o homem voltado apenas para o seu ego, estimulando ainda mais o preconceito.
E aí caímos na palavra superação, que nunca coube no meu cotidiano.
A superação já foi assunto de muitos escritos meus e vou retomar brevemente o tema aqui. Na maioria das vezes, os espaços só se abrem se a pessoa que é marginalizada pela sua condição e diferença assume um protagonismo qualquer e vira exemplo de superação. Acontece muito com as pessoas com deficiência e certamente também com negros, indígenas e indivíduos socialmente vulneráveis, que passam a ser aceitos como se a sua existência só tivesse sentido a partir desse protagonismo. Nada mais. A palavra superação nunca coube no meu cotidiano. Meu desejo é viver tranquila com a minha condição. Não há o que superar! É fato que quase ninguém vê a singularidade de pessoas marginalizadas pela condição física, social, raça, cor, orientação sexual, desempenho intelectual e mental, que transpõem inúmeras barreiras todos os dias. Especialmente o olhar que te vê como sub-humano, impulsionado por uma sociedade despreparada que não vê na diversidade e na convivência cotidiana com as diferenças a grande riqueza humana.
E aí caímos no capacitismo. Haja coração!
O capacitismo parte da padronização e hierarquização dos corpos, modelos já dados e aceitos, voltados para a funcionalidade. É quando a sociedade não vê outras maneiras de realizar uma determinada tarefa, por exemplo, que não seja através do já instituído. Situação que provoca uma opressão ativa, com xingamentos e exclusão. Ou uma opressão passiva, que coloca a dificuldade das pessoas como um obstáculo, gerando pena, inferioridade e constrangimento. Jamais solidariedade e parceria.
Tenho convicção de que só através da educação, da cultura, da fala e da convivência natural com as diferenças em casa, na escola, nas ruas, nos espaços de trabalho e lazer será possível sensibilizar as pessoas para um olhar sem preconceito, reafirmando e espalhando a riqueza da diversidade.
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