E cá estamos em novembro. Ainda que, neste ano, tenhamos passado a existir mais cedo, é neste mês que nossa invisibilidade se torna menos frequente. Mimimi? Se você pensa assim, nem precisa seguir na leitura. Minimizar a dor dos outros não é um esporte aceitável para o perfil de leitores que penso ter.
Em novembro, os convites para estar em debates, organizar eventos, dar as caras proliferam para profissionais negros. Nossas agendas ficam abarrotadas. De repente, somos autoridade em diversos temas. Entre 12 meses, parece que em apenas um é possível contratar pessoas negras para assumir postos de comando, dar entrevistas, brilhar…
Cá estamos no mês da Consciência Negra. E quem deve meter a mão na moleira e pensar sobre essa consciência não somos nós negros. Caro, caríssimo, povo branco, quem não vê os negros como merecedores de direitos e oportunidades iguais na sociedade não é o povo negro.
E olha que as coisas melhoraram muito. Pelo menos nas aparências. Na semana passada, na coluna Odabá, aqui mesmo na Sler, o brilhante Fabiano Machado falou sobre o espanto e o contentamento ao perceber em Nova York a enorme quantidade de inserção de modelos negros em outdoors de campanhas de grandes grifes (leia aqui). Por aqui no Brasil, é cada vez maior a inserção de modelos negros em todo tipo de anúncio. Bancos, cosméticos, perfumes, roupas, supermercados, viagens, hospitais… estamos belos, jovens e felizes ilustrando campanhas de produtos que raramente são acessíveis para maioria do nosso povo.
Quem viaja pode perceber, por exemplo, nos corredores de acesso ao embarque, já na boca dos aviões, fotos de negros sorridentes, roupas coloridas, malas feitas, felicidade latente… Dentro do avião, onde estão? A menos que haja alguma delegação de futebol ou outro esporte, dá para contar em uma única mão o número de passageiros pretos a bordo. E que fiquem na classe econômica, ok? Porque na classe executiva a estranheza é tal que a tripulação pode questionar a sua presença naquele espaço. Para quem lembra, foi o que aconteceu em setembro com Camilla de Lucas (foto da capa, reprodução Globo). A influenciadora contou que estava voltando dos Estados Unidos para o Brasil na classe executiva, quando foi abordada por uma aeromoça que pediu o seu bilhete para conferir se estava na seção correta. Voo cheio. Pessoas já sentadas. A única a ser questionada é de que raça? Esses fatos só ganham repercussão entre personalidades, ainda que não sejam exatamente exceções.
Entre essa mesma tripulação, cabe questionar-se: onde estão os comissários pretos? Tem piloto preto no Brasil?
Este ano, as principais companhias aéreas nacionais preparam ações para o dia 20 de novembro, envolvendo a tripulação e equipe em terra. É um grupo mínimo, mas já merecedor de homenagens e atenções.
Porém, fica aquela perguntinha chata: por que somente em novembro?
Sempre me lembro do fatídico episódio que vitimou o norte-americano George Floyd e deixou ecoando a frase “Eu não consigo respirar”. Foi inútil ele repetir a informação em agonia. Morreu miseravelmente, sem piedade. A frase emblemática ecoa ainda hoje. Em novembro, ela ressoa mais forte, dando um único recado: nós precisamos respirar o ano inteiro.