Sempre fui intensa e esta intensidade e coragem de viver situações onde me exponho à vida me levaram a ter uma vida extraordinária. Sim, começo afirmando isto sobre mim não como um ato egóico ou de presunção, e sim como um ato de autoconhecimento da minha natureza como ser humano, mulher, negra, brasileira vivendo o 2º ato de sua vida agora.
Esta intensidade sempre assustou as pessoas ao redor e vejo que continua assustando, pois não me interessam os papéis sociais como hegemônicos, mornos, chatos que insistem que devo me aquietar, evitar emoções e profundas reflexões; que me impedem de ser vulnerável e me colocar em experimentação do novo, me construindo e me descontruindo ao me deixar afetar pelo mundo.
Se deixar afetar ou mergulhar no afeto virou um ato de coragem quando é o único ato humano que nos torna vivos e presentes em conexão com a vida e com outros seres humanos. E, nesta jornada de uma vida fora do padrão, que chamo de extraordinária coleciono amigos de diferentes idades, lugares, amores bons e ruins, eu coleciono lindas e boas histórias que me nutrem e me fazem sentir viva.
Tenho uma grande amiga, a Ferdelmiro, que está estudando direção de cinema audiovisual. Carioca, hoje morando em Barcelona, nos falamos esta semana sobre meu retorno a Paris, minha visão do que quero viver e acabamos nossa troca com ela me contando que teve um projeto no mestrado de dirigir a sua primeira cena de sexo. E de o quanto esta experiência a fez pensar em escrever contos eróticos.
Conversamos mais sobre o assunto e contei a ela que nas minhas vivências literárias e de cinema me lembro do impacto da leitura do livro de Anais Nin, o Delta de Vênus, e depois do filme Henri e June, onde a narrativa explora o desejo sexual a partir da visão feminina de forma crua e potente, do amor sexual, a presença do erótico na escrita, tendo como pano de fundo a louca Paris dos anos 30. Eu e a Fer temos estas trocas maravilhosas, e ela é uma amiga querida. Mantivemos nosso vínculo tendo nos conhecido a partir de um job na publicidade. Depois, eu indo fazer nomadismo digital no Rio de Janeiro e ela inclusive sendo a minha maior incentivadora de estar aqui escrevendo para vocês todas as semanas.
E aí chego à resposta que muitos se perguntam: por que ela vai voltar para Paris, 3 meses depois de voltar para casa? O que ela vai fazer lá? É muito fácil e óbvio colocar meu retorno na conta de um romance que já está anunciado a terminar por questões de interdito cultural e religioso. Porque não, amores, vocês não verão me tornar mulçumana. Eu não sou este tipo de mulher, aquela que para o “Chico” me querer eu abro mão de mim mesma.
Então dou um passo atrás e observo a necessidade que as pessoas têm de precisar explicar seus atos a partir de funcionalidades racionais: viajar para trabalhar, viajar para estudar, viajar de férias. Não, a minha viagem não tem nenhuma funcionalidade racional. Até tem uma que é o nomadismo digital, que é um dos meus projetos futuros. Mas de fato é totalmente emocional. Eu vou viajar porque quero viver mais Paris. Viver o que posso do meu romance baseado em Eros. Sim… descobri que estou vivendo um amor erótico. E que estou pronta para pagar o preço disto afinal meu objetivo de vida é continuar tendo uma vida extraordinária. Erotizar a vida faz bem para alma.
Com o passar do tempo, o sentido etimológico da palavra “erótico” se desfigurou, reduzindo o conceito a um tipo de satisfação carnal proibida (“sexo sem pecado é como ovo sem sal”, diria o cineasta Luís Buñuel), à nudez, à sacanagem, aos filmes pornôs. Confundiu-se Eros com Priapo, o deus do sexo, representado com um falo enorme, protetor dos reprodutores e símbolo da procriação. O Eros verdadeiro é o deus do amor no seu sentido integral, que engloba corpo e alma. A atração puramente física é animalesca e não humana. É apenas o bicho que tem o período do cio. O homem e a mulher se amam (ou deveriam se amar!) sempre e em todos os lugares por uma comunhão de sentimentos que transcende o aspecto corporal.
O erotismo, que verdadeiramente funciona e faz perdurar a atração recíproca por longo tempo, está no olhar apaixonado, na admiração que o amante sente pelas qualidades físicas e espirituais que consegue enxergar na pessoa amada. A função erótica, que estimula o desejo de uma forma mais duradoura, está evidenciada na poesia lírica, na pintura, na dança, nos filmes sentimentais, na arte em geral, pois supera o nível do real e penetra no mundo da fantasia, do sonho, do vago sentimento do inacessível. Por esse prisma, os Cânticos de Salomão e a poesia trovadoresca são mais eróticos do que o Kama Sutra. O erotismo está mais no sugerir do que no mostrar totalmente, no claro-escuro, na promessa do idílio, no mistério a ser desvendado, na repetição do ato do amor como se fosse sempre pela primeira vez. Como diz a poeta Adélia Prado, “erótica é a alma”! Só que conhecer o espírito de alguém é bem mais difícil do que lhe conhecer o corpo. Manuel Bandeira nos oferece uma reflexão interessante a respeito:
“Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque corpos se entendem; as almas, nem sempre”.
E, sobre a necessidade da renovação do desejo erótico, esta bela imagem do poeta Mário Quintana: “amar é mudar a alma de casa”. Enfim o erotismo, entendido como prática do amor num sentido bem geral, é onipresente a qualquer atividade humana bem sucedida. A escritora existencialista francesa, Simone de Beauvoir, companheira do poeta-filósofo Jean-Paul Sartre, é quem melhor define a essência da relação carnal: “O erotismo implica uma reivindicação do instante contra o tempo, do indivíduo contra a sociedade”.
E Paris meus amigos e amigas é o cenário intelectual e romântico de Eros e do erótico e por isso lá me sinto viva. E vale a pena mais esta volta, e outras tantas que forem necessárias para viver como amante a cidade-luz entre arte, gastronomia, literatura e multiculturalidade.
Tem razão melhor que esta? Se preparem para viajarem de forma erótica comigo no final de outubro. Porque Eros é pulsão de vida. Rana me perguntou ontem quando chego e se estou voltando para Paris para vê-lo.
“Rana acho importante você entender que Paris existe na minha vida antes de você, e seguirá existindo com ou sem você.”
“Eu entendo Paty!”
“Que bom, pois assim poderemos viver o que realmente podemos ter: amor erótico com você. E Paris para mim é para sempre.”
O combinando não sai caro pra ninguém foi o que me ensinou a minha amiga milennium Fer.