I. Velocidade
Encontro a velocidade do mundo na sucessão de notícias que dão testemunho de uma guerra híbrida global, comercial, mas também beligerante neste grande balcão de negócios que vemos em nossas pulsantes timelines. Ali também estão novas paranoias para consumir, um pouco de pânico e medo engarrafados e, claro, suas ofertas de proteção: conheça o novo golpe na praça, a nova terapêutica, a nova conspiração, a nova ordem mundial.
É tudo tão vertiginoso que fica difícil dizer se é falso ou se é novo, pois mesmo o falso logo será velho. Então, assim como o verdadeiro e o novo, o falso será velho e, por defasagem, duplamente falso. Confuso? Nem me fale…
Estamos demasiado informados. Esse excesso nos faz crer que somos bélicos, prevenidos, ativistas, saudáveis, sensíveis, sagazes e por aí vai. E, nessa embriaguez, quase nunca olhamos para fora. “Não fale com estranhos”, diziam nossas mães. Eis que agora somos todos os estranhos que não conseguem sustentar nem cinco minutos de conversa num caixa de supermercado sem se refugiar no celular.
II. Lentidão
Encontro a lentidão do mundo na banalização do 8M, já que nós mulheres seguimos sendo parte invisível do mundo, sobretudo nós mulheres não-brancas. Ainda somos ensinadas a odiar nossos corpos, nossas texturas, líquidos e odores. E também a nós mesmas, já que, rezando a cartilha do patriarcado, tantas vezes não nos tomamos por aliadas e invisibilizamos umas às outras.
E, por falar em minas invisíveis, também faz parte da lentidão do mundo a ausência de informações sobre o atual conflito na República Democrática do Congo, no continente africano. Este país, imensamente castigado pelo colonialismo belga, enfrenta uma devastação tão ou mais preocupante do que as que temos acompanhado na Ucrânia e na Palestina. Quase ninguém se interessa, já que existe uma narrativa acomodada e criminosa em relação ao continente africano. É como se “por lá” a paz não fosse um direito. Desumanização ancorada em velhos e vigentes pensamentos supremacistas.
Disfarçado de conflito local, essa guerra dissimula interesses que impactam diretamente nas atuais coqueluches de consumo: os carros elétricos. Sobretudo, um metal azul – o cobalto – é responsável por tanto derramamento de sangue. Este elemento é fundamental na eficiência e na duração de baterias de celulares, computadores e carros elétricos. Por causa disto, as minas congolesas estão abarrotadas de abusos de direitos humanos e ambientais. Trabalho infantil, por exemplo.
O Congo tem 103 milhões de habitantes. Metade da população brasileira e mais do que o dobro da população argentina. Neste momento, ano 2025, 7 milhões de congoleses estão deslocados de seus lares, como refugiados internos oriundos do leste. Execuções sumárias, estupros e perseguição a defensores dos direitos humanos estão na ordem do dia.
Diante desse horror, fica uma conclusão triste. A globalização dos recursos tecnológicos seria outra se também globalizássemos os custos ambientais e morais das tecnologias. Por enquanto, gozamos nossos bens de consumo com a consciência de sempre, regada a vistas grossas e ouvidos de mercador.
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Foto da Capa: Minas no Congo / Anistia Internacional