Não lembro quando você apareceu. Provavelmente eu estava prestando atenção em outras coisas e você era irrelevante para mim. Em algum momento descobri seu nome: celulites. Que nome engraçado! Parece nome de um vírus ou bactéria, e você é meio uma doença para algumas mulheres e talvez homens também.
Enfim, em um momento fomos apresentadas e me disseram que o melhor que eu podia fazer era me livrar de você. E foi assim por anos. Cremes anticelulite (baratos e depois cada vez mais caros), tratamentos estéticos, dietas. Me lembro uma vez que viajei e no FreeShop comprei um creme em dólares contra você! Sua má fama é internacional!
Por muitos anos eu te via pouco, você sempre estava na parte de trás das minhas coxas e na bunda. Então sem espelho não tinha como te ver bem. Mas esse último ano você resolveu aparecer na parte da frente das coxas. Chega o verão, coloco um short e aí está você! Com suas ondas, suas deformidades, sua flacidez. Deletando o sedentário que é meu trabalho e meu estilo de vida.
Não vou mentir, tive que trocar de roupa algumas vezes porque não aguentava te ver de frente. Acho que não é somente pela questão estética, que hoje em dia está bastante descontruída na minha mente. Acho que a questão de saúde também pesa. Os anos passam e meu corpo já não é o mesmo, por fora e por dentro.
Como aceitar que tenho que tomar remédio para pressão aos 35 anos? Como aceitar que meu corpo produz enxaquecas insuportáveis? Como lidar com o fato do meu pescoço estar com uma contratura que massagem nenhuma salva? E a tendinites que aparece quando preciso terminar de entregar um relatório?
Enfim, a culpa não é sua, já sei. Mas preciso de tempo para poder te ver de frente. Tenha paciência comigo, já vou me acostumar. Prometo te levar para passear e fazer exercício. Vamos ser amigas daqui a diante.
*Carolina Murgi. Sou contadora, no trabalho conto números dos outros, aqui conto minhas histórias.
Fotos: Freepik