Há 30 anos, eu trabalho sem parar, apenas com poucos meses de desemprego antes dos 20 anos e descansos curtos (e cada vez mais interrompidos pelas demandas da carreira).
Meu primeiro emprego foi aos 15 anos como atendente de uma locadora de vídeo em São Borja, no interior do Rio Grande do Sul. Com o aval dos meus pais (que queriam evitar que eu passasse as férias vadiando pela rua), eu ofereci minhas tardes a um empresário local em troca de dinheiro extra para vadiar pela rua com um pouco mais de estilo e reunir economias para minha primeira viagem sozinho.
Depois fui balconista de farmácia de manipulação, pesquisador do IBGE, estagiário de comunicação, designer digital e acabei virando executivo de negócios em empresas de tecnologia. Nesse meio tempo, reservar dinheiro para o próximo destino sempre foi imprescindível.
Conheci um monte de lugares incríveis. Seja para bater perna, estudar, aproveitar uma praia, visitar mais uma cervejaria ou comer bem, até 2020, eu estava sempre pronto para fazer as malas. A parte chata era só, depois de voltar para casa, ter que esperar outros tantos meses para poder sair da rotina de São Paulo e Porto Alegre de novo.
Mas, com a pandemia, acabei me mudando para Portugal e fiquei 24 meses “preso” em casa. Foi aí que, junto com milhões de pessoas, tive que descobrir as alegrias e tristezas de dormir, comer, trabalhar e até tirar férias no mesmo lugar.
No começo, tudo era festa, mas, com o passar do tempo, o que mais fazia falta eram mesmo as viagens. Portugal estava fechado e tive que aprender a turistar na cidade onde eu já morava. Acabei me dando conta que eliminar o intervalo entre as férias é que era o segredo: ao morar no lugar certo, eu podia sair de férias no final do expediente e voltar no dia seguinte.
O apartamento de Lisboa virou uma casa na praia de Ericeira e, hoje, eu posso dizer que viajo muito menos, mas aproveito a vida muito mais. Escolhi uma cidade menor, mas com fácil acesso à Lisboa. Com isso, posso fazer home office olhando o mar e chegar a uma reunião na capital em menos de 30 minutos (muito menos do que eu gastava em São Paulo). Na vila, que recebe nômades digitais do mundo inteiro e vez ou outra está no top ten dos melhores destinos para quem quer trabalhar de forma remota, também tenho acesso a coworkings e incubadoras digitais de alta qualidade.
Por isso tenho defendido tanto o trabalho remoto. Posso dizer por experiência própria que estar longe do escritório, baseado em uma cidade que oferece a melhor qualidade de vida para nossas necessidades, só melhora a performance profissional.
Hoje, eu consegui regularizar minha rotina, com mais tempo para a prática de exercícios e ficar com a minha família. Voltei a surfar – algo para o quê, tenho de admitir, tenho muito mais disposição do que talento – e bato perna pela Ericeira conhecendo os moradores, algo que me dá muito prazer.
Com a cabeça arejada, sou muito mais produtivo e, apesar de trabalhar o mesmo número de horas, rendo muito mais. Focado, consigo realizar metas na metade do prazo estipulado.
Sei que muitas vezes esta não é uma tarefa fácil, uma realidade que se aplica a todos ou de maneira permanente. Mas sei também que é uma realidade que todos deveriam testar. O que é certo é que trabalhar intensamente como se estivesse de férias pode representar o segredo de uma ótima performance.