Acabei de voltar do Web Summit 2022, realizado em Lisboa. É certamente um evento impressionante pelo tamanho e relevância. Mais de 70 mil pessoas, centenas de personalidades e milhares de startups transitaram durante os 4 dias de evento nas enormes instalações do complexo Altice Arena, localizadas à beira do Tejo, muito perto do aquário de Lisboa, que foram geradas durante a organização da Expo Mundial em Lisboa (num testemunho à importância dos grandes eventos para transformar a paisagem e ajudar a construir um posicionamento de cidade).
Vivenciar o evento permite entender por que a sua presença teve tanto impacto para consolidar a cidade de Lisboa como um polo de inovação europeu. Como afirmou o CEO do Web Summit, Paddy Cosgrove, durante visita a Porto Alegre (na época em que estávamos “namorando” e tentando atrair o evento para nossa cidade), o evento tem um mindset global, sendo desenhado para se constituir em um fórum de lideranças mundiais no qual se vislumbra o estado atual e se discutem as tendências futuras e emergentes da nova economia do conhecimento, baseada na transformação digital e na inovação ágil, que tanto tem impactado todas as instituições nesse início de século XXI.
De fato, circulam pelo evento inovadores de vários lugares do planeta. Conversei pessoalmente com representantes de startups da Mongólia, da Ucrânia, de Londres, do Chile, da Finlândia e de Marrocos, entre outros. Um mix de culturas unidas pela chama da inovação e do empreendedorismo.
Claro que, se analisarmos com cuidado, o evento tem um DNA marcadamente europeu. A presença europeia era dominante e era possível visitar estandes da maioria das nações europeias, da Polônia à Alemanha, e de muitas regiões dos países europeus.
Cabe destacar que dentre os estandes, o da APEX se destacava pelo porte, beleza e energia. E a presença brasileira foi sem dúvida reforçada por outros estandes de atores de nosso ecossistema espalhados pelo evento, com destaque para a embaixada da cidade do Rio (que será sede do Web Summit Latam em 2023), para o da Angel Investor Club, sob a batuta do querido parceiro Anderson Diehl, e o da TECHROAD, movimento que une Porto Alegre, Caxias, Florianópolis, Joinville e Curitiba num mega cluster regional de alto impacto, que atraiu muita atenção e recebeu muitas visitas interessantes.
Depois de anunciada na MERCOPAR, a iniciativa TECHROAD fez uma estreia internacional muito positiva, atraindo um interesse relevante e evidenciando o potencial dessa atuação em rede. Em geral, a presença brasileira foi marcante e massiva, nos levando a compor a terceira maior delegação, apresentando o maior crescimento dentre todas as nacionalidades.
O clima do evento, o primeiro presencial pós-pandemia, era claramente de renascimento e vibração. Assim como no South by Southwest (SXSW), ocorrido em fevereiro desse ano, se percebia claramente o prazer das pessoas em retomar encontros.
Os corredores fervilhavam e a energia era claramente de entusiasmo com a possibilidade de estar perto e interagir de uma forma mais rica e natural que os encontros via internet (que são muito úteis, mas não substituem plenamente o contato face a face).
Mas ao contrário do que aconteceu no SXSW, tecnicamente encontrei um evento com um clima mais pragmático e reflexivo. Em fevereiro, minha impressão foi de um entusiasmo um pouco exagerado e cheio de buzz com metaverso, nfts, personalidades digitais, exploração do espaço, etc. Me deu a sensação de que em alguma medida éramos como um hedgehog que emergia após um longo inverno um pouco exultante demais com a luz solar. Na época compartilhei algumas das minhas dúvidas sobre a maturidade e usabilidade imediata de algumas das ideias promissoras, mas ainda em consolidação, que receberam muita atenção no SXSW.
Agora em Lisboa, após uma correção de rotas nos investimentos de capital de risco e alguns ajustes de expectativas nos times e projeções dos negócios de tech que aconteceram ao longo do ano, a abordagem me pareceu mais madura e adequada.
Contribuiu certamente para uma visão mais sóbria a presença da 1ª dama da Ucrânia, Zelenska, foi marcante. Ouvir um testemunho em primeira pessoa das agruras da guerra, do sofrimento das pessoas, das condições deterioradas de vida com o avanço das hostilidades calou fundo. Perceber a inutilidade, a inconsequência e a imbecilidade de usar meios bélicos para resolver disputas num momento da história da humanidade em que convivemos com enormes avanços técnicos, que potencialmente podem nos trazer a possibilidade de ofertar condições de vida mais sustentáveis ambientalmente e socialmente a todos, foi algo que mexeu com o público. Sem dúvida a celebração da presença ucraniana, marcada por bandeiras e pelo uso da combinação azul e amarelo da sua bandeira, foi um marco dessa edição do evento.
Socialmente, vimos alguns movimentos relevantes. A valorização da presença feminina, a valorização da diversidade e dos valores ESG nas falas de muitas startups e painelistas. Existe claramente um interesse por soluções inovadores de menor impacto ambiental e de maior impacto social.
Por outro lado, foi marcante a sensação de que era necessário fazer uma avaliação efetiva e crítica do potencial de algumas tecnologias emergentes. Ouvimos painéis com a Binance discutindo crypto currencies, nos quais ao mesmo tempo em que se reconhece o enorme potencial se analisavam como evitar os riscos inerentes à migração de sistemas regulados como bancos para sistemas fluidos de fintechs. Os avanços nessa direção são praticamente inexoráveis, mas entender como encaminhar os mesmos com segurança e plena consciência dos envolvidos é fundamental.
Outros painéis discutiram os avanços e as limitações da inteligência artificial e as questões de saúde mental. Em geral, me pareceu claro que se adotou uma abordagem mais crítica e equilibrada, o que é bom para a inovação.
Um painel interessantíssimo teve a presença da Nicole Muniz, CEO do Yuga Labs (uma das startups mais exitosas desse ano com a coleção dos nfts de símios aborrecidos – bored apes – que viraram trend entre famosos) falando dos planos da empresa para o lançamento de uma plataforma de metaverso (nomeado Other Side), com previsão de kits de desenvolvimento que vão permitir aos usuários criar elementos próprios. Para mim o mais importante foi o destaque dado para dois elementos fundamentais que se planeja introduzir: as criações serão propriedade de seus criadores e poderão ser exportadas para outras plataformas de metaverso. Essa interoperabilidade pode ser fundamental, juntamente com a gamificação, para fazer das plataformas de metaverso mais que ambientes virtuais marcados pela presença de visitantes curiosos, mas ocasionais.
No mainstream, era enorme a presença de soluções desenvolvidas para dar apoio a desenvolvedores, de todos os tipos, envolvendo desde o design automático de sites e apps, a ferramentas no code ou low code, e kits de produtividade. Além disso, soluções de health tech e de análise de dados eram pervasivas, sendo encontradas desde as grandes corporações até startups iniciantes. São, me parecem, tendências que vão avançar muito nos próximos meses e anos.
Foi interessante, ainda, notar o posicionamento de algumas grandes corporates europeias, como a SIEMENS e a MAERSK, trazendo soluções, adotando uma linguagem mais aberta e compatível com os tempos mais informais que vivemos.
Marcar presença nesses eventos é extremamente importante. Nesse sentido se destaca a ação da Prefeitura de Lisboa ao lançar a FÁBRICA DE UNICÓRNIOS, sinalizando o desejo da cidade de atrair scale ups para serem impulsionadas e ao mesmo tempo fortalecer o “branding” da cidade como geradora de inovação. Da parte brasileira, foi interessante o encontro Brasil-Portugal sobre inovação, que foi organizado pelo SEBRAE em parceria com a APEX no dia anterior ao evento, e atraiu um público amplo e diverso, marcando nossa presença na cidade.
Em retrospectiva, saí com a impressão de que o Web Summit 2022 foi um evento no qual não se apresentaram grandes novidades, mas no qual se reforçaram a relevância, o impacto e a resiliência do movimento global de inovação, ao mesmo tempo em que se consolidaram algumas tendências que se fortalecerão em 2023, a partir de um olhar mais pragmático.
A presença em grande peso da mídia especializada global cobrindo o evento certamente fará com que as tendência e discussões mais importantes reverberem e impactem nos próximos movimentos da roda da inovação.
É interessante perceber, nesse panorama, que está se consolidando uma agenda internacional de grandes eventos que de alguma forma vai evidenciando como a onda de inovação se apresenta e evolui a cada “estação”. Isso inclui o Web Summit, com foco na Europa (mas com seus derivados no Canadá, em Hong Kong e agora no RJ); o SXSW, principal showcase da inovação na América do Norte; e o SOUTH SUMMIT, que nesse ano se estabeleceu como uma grande ponte entre Espanha e a América Latina, tendo como sede no Brasil a nossa querida Porto Alegre. Muito legal, aliás, constatar que nossa cidade se posiciona como um dos palcos de inovação de repercussão global, junto com Austin, Lisboa, Rio, Toronto e Hong Kong, entre outras.
Em suma, após o evento saio com a impressão que a onda da inovação permanece muito firme e forte, após algumas pequenas e necessárias correções de rumo e expectativas.
É muito legal ver Porto Alegre, o RS e o Brasil se constituindo em atores cada vez mais relevantes nesse cenário, o que é fundamental para que possamos continuar a nos adaptar a esse novo mundo que emerge da transformação digital. Ser capaz de gerar novos negócios inovadores é fundamental para criar uma cidade melhor e mais vibrante. De forma que possamos ter recursos e energia para, em última análise, gerar mais qualidade de vida a nossos cidadãos.
Vamos em frente, trabalharem rede para fazer um grande SOUTH SUMMIT 2023! Visando colocar ainda mais nossa cidade e nosso estado na rota dos inovadores e dos negócios da nova economia!
Luiz Carlos Pinto da Silva Filho é coordenador do PACTO ALEGRE e secretário de Inovação de Porto Alegre