A cada novo episódio de enxurradas, ciclones, enchentes, deslizamentos etc., que provocam prejuízos e mortes, mais gente está se dando conta de que esse contexto de crise climática exige planejamento e tomada de atitudes. Ação. Discernimento. O que é menos pior? É preciso ir muito além da reparação, do acolhimento às vítimas.
Todos somos afetados pelo que está acontecendo. Seja na Líbia, na Turquia, no Vale do Taquari ou no Delta do Jacuí. Diante dessa infodemia, onde somos bombardeados por histórias de vida e morte, será que estão sendo transmitidas informações prioritárias para saber encarar essa situação? Vale lembrar que o Rio Grande do Sul é o Estado que mais tem sofrido com eventos extremos e não conta com um sistema próprio meteorológico. No verão, mais de 300 municípios foram atingidos pela estiagem. No outono e inverno, regiões diferentes foram abaladas devido a ciclones.
Então, o que devemos fazer? O que está ao alcance de cada um de nós, já que eventos desse tipo serão cada vez mais frequentes?
Primeiríssimo lugar, acredito, é termos noção de onde moramos. Saber quais as características do ambiente onde transitamos. Precisamos estar ligados no tipo de solo de onde nossa casa está localizada. É muito permeável? Tem para onde escapar no caso da subida de água? Há possibilidades de desmoronamento? Assim como hoje todo mundo precisa saber mexer em um smartphone se não quiser perder o bonde da história, é imperativo saber ler o que a natureza, o clima, a chuva, etc. estão querendo nos dizer.
Outra dica é consultar fontes confiáveis. Convivo com uma pessoa que é muito conectada à previsão do tempo. Meu marido acompanha as mudanças no tempo de diferentes formas. No RS, ele segue o os alertas do Inmet, da Defesa Civil e da empresa privada Metsul. As informações do Inmet e Defesa Civil dão orientações gerais para grandes áreas. Os da Metsul são mais detalhados e permitem uma melhor avaliação para uma área específica.
Ele segue direto os alertas de curto prazo dados pelas redes sociais pela Metsul, detalhando situações emergenciais e orientando a população para os cuidados com a vida e o patrimônio. Também curte acompanhar pela aba de monitoramento da Metsul, a ocorrência de raios em tempo real e o radar mostrando onde estão tanto a chuva quanto às tempestades mais fortes. Ele usa direto no planejamento do que fazer, de como sair em dias de maior instabilidade.
Conexão com a natureza e medidas caseiras
Ampliamos a nossa percepção climática e ambiental nos últimos anos porque moramos em uma cobertura cercada de prédios em um bairro próximo ao Guaíba. Vivemos observando as plantas, os pássaros, as nuvens, o vento. Cheio de prédios e asfalto em volta, é muito quente no verão. Então temos árvores, plantas e até um telhado verde para amenizar o calor, o que também serve para absorver a água da chuva. Ainda temos um tonel que recolhemos água da chuva que ajuda a controlar a intensidade da chegada da água pela calha. Dependendo da intensidade e do sentido do vento, entra água em algum lugar, seja pela janela, pelo telhado, pela porta. Já passamos por situações dramáticas, com o escoamento não dando conta da vazão devido a um encanamento mal feito. Entrou água pela casa e a água chegou a cair da escada.
Quando vim para Porto Alegre, morei cinco anos em um apartamento que não pegava sol. Era de meio, no segundo andar. Ali que comecei a despertar para a necessidade de respeitar e valorizar a natureza. Infelizmente, na maior parte das vezes, só nos damos conta da importância das coisas quando perdemos. Esses episódios de tragédias estão relacionados a vários fatores que envolvem o uso e a ocupação do solo. E aí entra outro aspecto que precisa ser considerado nesse momento: o cumprimento da legislação ambiental.
Uma das outras medidas que todos deviam estar se perguntando é por que existem leis que determinam que não se ocupe margens de rios, banhados, entre outras áreas de preservação permanente (APPs)? Você já perguntou para algum candidato, seja a vereador, a prefeito ou deputado o que ele pensa sobre esse assunto?
Porque se estamos diante do maior desafio da humanidade – estamos todos no mesmo planeta, mesmo sendo tão diferentes – a maior parte dos nossos governantes e parlamentares, tanto no Congresso como na Câmara de Vereadores é completamente ignorante ou negligente perante a esse tema.
Mobilização por mais segurança
E aí vem uma sugestão do que poderíamos destinar nossa energia: que tal pressionar veículos de comunicação, políticos, tomadores de decisão para que sejam tomadas no sentido de termos medidas efetivas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas? Há várias tentativas e projetos de lei para enfraquecer ainda mais os órgãos ambientais que justamente trabalham para que os desastres não sejam ainda maiores do que esses que ocorreram.
Para terem uma ideia, recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a redução de áreas de preservação permanente (APP) em volta dos cursos d’água, iniciativa que estava sendo articulada por vários segmentos, principalmente do agronegócio. A lei aprovada no Congresso dizia que cada município poderia definir o tamanho da sua APP. Essa decisão tem relação direta com o impacto das inundações. Afinal, quem fiscaliza o cumprimento da lei?
Ou seja, enquanto estamos todos à mercê do clima, cada vez mais enlouquecido, alguns, digo alguns, estão se empenhando para afrouxar ainda mais a proteção ambiental colocando mais comunidades em risco. E esse é só um exemplo. Tem questões tão ou mais dramáticas e inacreditáveis que isso, como a destruição do processo de licenciamento ambiental, outro assunto que rende muitos textos. Inclusive já foi aprovada a nova lei do licenciamento na Câmara e agora se encontra no Senado. Eis uma das faces do nosso subdesenvolvimento. Já sentimos hoje o que significa o poder de decisão daqueles que pensam mais nas próximas eleições. Eles fazem vista grossa para o cumprimento da lei dos homens e desrespeitam as leis da natureza.
Esse tema é duro, difícil de engolir e espinhoso. Muitos nem conseguem pensar ou falar em prevenção nesse momento. Até as 12h de quinta, dia 14 de setembro, principalmente no Vale do Taquari, foram contabilizadas 47 mortes, nove desaparecidos, 3.130 pessoas resgatadas, 100 municípios afetados, quase 5 mil desabrigados registrados e 20.963 desalojados, num total de 354.711 afetados e 940 feridos, segundo dados da Defesa Civil do Estado.
Em junho, foram 16 vítimas nos vales dos Rios Maquiné e dos Sinos. Em setembro, a tragédia maior foi no vale do Taquari. Se já temos conhecimento de sobra para saber o que fazer para evitar novas tragédias, é mais do que necessário que a sociedade, a academia, conselhos, autoridades, todos se unam para cobrar atitudes para evitar mais desgraças. Pois sim, vem mais chuva. As previsões não são animadoras. Confesso que tenho pensado muito em me mudar de estado. Não do sólido para o gasoso. Mas de região mesmo.
Audiência pública pelo clima
E nesta segunda, dia 18 de setembro, será realizada a audiência pública na Assembleia Legislativa para debater um plano de emergência climática para o Rio Grande do Sul. A promoção é da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia e foi uma demanda da organização Eco Pelo Clima e de centenas de outras organizações, movimentos e pessoas físicas. Segundo o deputado Matheus Gomes, que vai presidir a audiência, o governo do Estado previu somente R$100 mil para Defesa Civil em 2023. Se você já percebeu a importância do tema, não deixe de participar. Estarei lá!
Saiba mais
Clique aqui para conferir a matéria com o link da live que participei esta semana sobre Mudanças Climáticas promovida pelo Brasil de Fato RS.