Quando mais jovem, nunca me passou pela cabeça ser um empreendedor, embora venha de uma família de empreendedores. Meus avós, meus pais e, agora, minha irmã sempre tiveram “tino” para os negócios. Quanto a mim, achei que trabalharia na área da arte, pois ainda criança tinha aptidão para desenhar.
Quando ingressei no Ensino Médio, a vontade de desenhar foi trocada por outras descobertas da adolescência. Conheci a paquera, festas e outras formas de entretenimento (e por isso tive bastante problema com os estudos). Estudava numa escola particular, no Instituto de Geodesia e Cartografia de Angola (IGCA), mas, no último ano, não consegui avançar, o que deixou minha mãe triste demais. Fiquei um ano sem estudar e estava cada vez mais me afundando nos prazeres da rua.
Minha mãe já tinha planos de me enviar ao Brasil, para cursar a faculdade, e conseguiu. Quando cheguei, ingressei no curso Design de Interiores, na Universidade Veiga de Almeida (RJ), pois amo essa área e acho campo esplêndido.
Tinha uma disciplina chamada Laboratório de Criação, comum a todos do núcleo da arte (moda, interiores, história da arte), e com essa dinâmica aprendi a “pensar fora da caixa”.
Estava sempre bem apresentado na faculdade, coisa que vem da minha mãe, pois ela fazia questão de sempre nos vestir bem. Ela tinha um alfaiate particular e, mais tarde, começou a confeccionar as próprias roupas, em sua boutique. Cresci nessa atmosfera de saber escolher e combinar peças de roupa.
Minhas colegas do curso de moda, observando meu estilo, me incentivaram a mudar para o mesmo curso delas. Não fiz faculdade, mas comecei a me especializar em corte e costura, e descobri que gostava muito. Consegui retomar o amor pelo desenho com a influência de minha família.
Como conciliava o curso de design de interiores com trabalho de pintor, em canteiros de obras, para garantir minha renda, chegou um momento em que não conseguia avançar na faculdade devido às finanças. Tranquei o curso, mas continuei com o aprendizado da costura em uma ONG.
Depois de um tempo, por volta de 2013, ingressei para confecção de roupas com estampas afro. Estávamos na onda inicial da autoaceitação negra no Brasil, em especial no Rio Grande do Sul “o orgulho de ser negro”, e para os afroempreendedores esse movimento veio a calhar.
Depois, veio uma recessão econômica e uma calmaria nas vendas. Como empreendedores, sentimos muito. Também parece ter havido uma retração na autoaceitação do povo negro, o que demorou algum tempo para voltar. Muitas pessoas deixaram de consumir os produtos, por questões econômicas e também influenciadas pela cultura eurocêntrica.
Ser microempreendedor já é um desafio, e para o afroempreendedor é mais difícil ainda. Os obstáculos vão desde as desconfianças de investidores até a consciência racial do público-alvo.
Embora no Brasil nós, negros, sejamos maioria, apenas uma pequena parcela de consumidores faz uso de moda e conteúdo afro. Isso também é reflexo de receios de discriminação, e contribui para que nossos produtos sejam menos valorizados.
Infelizmente, ainda há pessoas que preferem pagar valores absurdos em lojas de confecções industrializadas (lojas essas que muitas vezes reproduzem situações de racismo estrutural, como vemos com frequência na imprensa e em nossas vidas) a optar por pagar por uma peça igual e, quiçá, de melhor qualidade de um artesão afro ou indígena.
Como afroempreendedor, acredito na emancipação mental da nossa gente e no seu poder de consumo e consciência. Até esse dia chegar, é nosso dever fazer a manutenção da autoaceitação e a valorização dos produtos e conteúdos negro/indígena.
*Jair Zonzo nasceu em Luanda, capital de Angola, e está no Brasil desde 2007. Apaixonado por Design, escolheu a moda como forma de expressão e empreendedorismo. Desde 2013, mantém sua alfaiataria (@zonzialfaiataria) e dedica sua criatividade à beleza e à autoestima do povo negro por meio de roupas feitas sob medida.
Foto da Capa: Acervo do autor
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