Liberdade acima de tudo, pero no mucho. A última pergunta da jornalista chinesa ao atual presidente da República do Brasil no fechamento da cúpula dos países da America do Sul em Brasília, no dia 30 de maio de 2023, é um tema tabu. A pergunta foi sobre a criação de uma moeda comum — e não uma moeda comum para a America do Sul, mas para o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Por que é tema tabu? Explico.
Primeiro. Falar em moeda é discutir relações de poder a partir dos grupos em posição econômica dominante. E quem está em posição dominante não deseja voluntariamente abrir mão do controle e dos privilégios de comandar os rumos da história.
Segundo. Falar em moeda comum é colocar em cena a questão da cooperação, solidariedade e bem comum. Discutir uma possível integração entre os países-membro do Mercosul já é um desafio.
Terceiro. Nesse sentido, quantidade importa. Ao demandar uma União Sul-Americana, medos e esperanças emergem. Isso apenas para citar o controle da pauta da mídia no tema sobre a Venezuela, sem dar ênfase na questão da emancipação do controle do poder econômico acumulado na mão de poucos (como o caso do G7, da União Europeia ou mesmo dos Estados Unidos).
Quarto. A mídia é o quarto poder (veja minha discussão aqui). Porém, além da mídia, o público também é induzido a permanecer em uma discussão monocromática. Aqui cabe ressaltar que não é ser contra a discussão da realidade interna na Venezuela, mas incluir as demais temáticas que são tão estruturantes como a discussão da violação de direitos humanos em nossos vizinhos.
Retornando, a jornalista chinesa ao realizar a pergunta ao apagar das luzes da reunião de encerramento do evento, lança luz sobre uma questão fundamental: emancipação econômica das velhas oligarquias em posição de poder dominante (G7, G20, OTAN e outras formas).
Uma moeda comum do Mercosul, dos países da America do Sul, da América Latina ou mesmo do BRICS é tão sensível que a mídia brasileira insiste em desfocar e desqualificar a discussão.
É tão explícito esse apagamento temático (a questão da emancipação do poder e controle das oligarquias econômicas), que o público não é considerado digno para discutir. A mídia, grosso modo, transforma o cidadão e a cidadão brasileira em uma lata de lixo. Coloca qualquer coisa marginal, porém o conteúdo precisa ter violência, sangue e infelicidade geral.
Quinto. Onde está a discussão de fato sobre a imoral aprovação pela Câmara dos Deputados sobre o Marco Temporal (PL 490)? Onde está a discussão de fato sobre a questão da reforma partidária-política no Brasil? Onde está a discussão sobre os processos financeiros públicos? É como se um cidadão fosse um débil mental com deficiência cognitiva para discutir assuntos políticos. “Na mesa do almoço não se discute política”, é falado e ouvido aos quatro ventos.
Sexto. Ontem participei da XIX Campanha Anual do Produto Orgânico promovida pela Escola Nacional de Gestão Agropecuária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento — MAPA (aqui). Discutir orgânicos no nexo da mudança climática é discutir recursos econômicos em vários níveis. Da necessidade de recursos econômicos para combater fake news (desinformação) até o combate das narrativas ideológicas de que o agronegócio é pop.
Sétimo e último. Será que é possível discutir a dimensão econômica em contextos de cooperação entre países, por exemplo, com a criação de uma moeda comum ou um banco de fomento comum para a realização de uma transição social e climática comum? Foi dito que a Amazônia é um território internacional. E de fato é. A Amazônia não é um recorte de estados-nações. Ela existe acima de lógicas geopolíticas, porém a gestão é fatiada e cada país da América do Sul faz o que bem entender em sua parcela do bioma amazônico.
Os desafios de discutir compartilhamento econômico (como moeda comum) e transição climática (como reconhecer a Amazônia como um território internacional) são hercúleos. A pergunta é: os humanos conseguirão se entender antes do apocalipse social e climático?
O futuro breve nos dirá.
Foto da Capa: Marcelo Gama / Agência Brasil