Um novo conjunto de documentos enviados ao Supremo Tribunal Federal reforça acusações contra o ex-juiz e hoje senador Sergio Morto (União-PR). As peças fazem parte de um pedido do empresário e ex-deputado estadual do Paraná Tony Garcia pela suspeição de Moro. A peça central dos arquivos diz respeitos aos detalhes do acordo de colaboração firmado em 2004 entre Garcia e o Ministério Público Federal, subscrito pelo então magistrado federal Sergio Morto.
Documentos até então sob sigilo na 13ª vara de Curitiba revelam que Sérgio Moro corroborou um acordo de colaboração premiada que previa grampear, monitorar e levantar provas contra colegas da magistratura paranaense que tinham foro privilegiado e estavam fora, por força de lei, do alcance dele como juiz federal. O hoje senador diz que a acusação é infundada e que não existem gravações de pessoas com foro no processo.
O acordo foi celebrado em dezembro de 2004, e pessoalmente supervisionado, checado e monitorado por Moro ao longo de anos. O documento, agora enviado pelo delator ao Supremo Tribunal Federal, mostra que a colaboração previa, entre outras coisas, que o réu usasse escutas ambientais em encontros e conversas com políticos e juristas para obter informações sobre desembargadores do Paraná e ministros do Superior Tribunal de Justiça.
O delator da ocasião só obteve acesso formal aos termos que formalizam sua atuação como informante de Moro recentemente, quando o juiz Eduardo Appio, desafeto da Lava Jato, assumiu a 13ª vara e retirou o sigilo que existia há quase 20 anos sobre os autos. No processo, agora remetido ao Supremo com a intenção de anular todos os efeitos da ação de Moro contra Tony, há registros até de conversas telefônica do ex-juiz com o réu, cobrando a entrega das tarefas que tinham sido estabelecidas no trato legal.
Os autos mostram que 30 missões foram delegadas ao delator como condição para a colaboração com o Ministério Público Federal, assinada por Moro. Procurado, o ex-juiz e hoje senador nega qualquer irregularidade, diz que Tony é criminoso condenado e que nenhuma das gravações entregues por ele envolve pessoas com foro. “Tony Garcia é um criminoso que foi condenado, com trânsito em julgado, por fraude e apropriação indébita. Em 2004, fez acordo de colaboração que envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi e a utilização de escutas ambientais autorizadas judicialmente e com acompanhamento da Polícia Federal e do MPF. Essas diligências foram realizadas por volta de 2004 e 2005, e todas foram documentadas”, diz o ex-juiz.
Ainda segundo ele, elas “não incluem qualquer gravação de autoridade com foro privilegiado, nem têm qualquer relação com as investigações do Mensalão ou Petrolão”. A descrição dessas “tarefas” é detalhada. Na de número 8, por exemplo, está registrado literalmente: “Caso TRF Ricardo Saboya Kury — Bertoldo [um advogado paranaense] teria obtido liminares favoráveis com o Des. Dirceu, mediante troca de favores. O beneficiário procurará obter a fita cassete junto a Nego Scarpin, onde constaria tal fato, podendo, neste caso, realizar escutas externas. Há outras menções a escutas e gravações em posses de terceiros que deveriam ser encontradas pelo delator para que ele pudesse obter os benefícios previstos no acordo. É o caso das tarefas 4 e 5.
Tarefa 4: Caso Nego Scarpin – Bertoldo teria passado para a CPLI-BANESTADO a conta de Luiz Antônio Scarpin para extorquir dinheiro. (Trata-se do bilhete apreendidos manuscrito pelo Sérgio Malucelli com timbre da Votorantim). Estariam envolvidos o Deputado Iris Simões, o Dep. Mentor e o Vereador João Melão/SP. O beneficiário trará a prova documental e gravações. Essas gravações estão em poder de Nego Scarpim, envolvendo Desembargadores do TRF, advogados e políticos.
Tarefa 5: Caso Enio Fornea X Bertoldo. As fitas acima contêm gravações do auxílio dado a Enio Fornea por um Desembargador do TRF da 4o Região.” [sic] Desembargadores e integrantes de Tribunais Regionais Federais, segundo a lei, só podem ser investigados pelo Superior Tribunal de Justiça. Deputados federais, também citados como alvos do delator que se tornou um agente informal de investigações, pelo Supremo.
Além de avançarem sobre colegas da magistratura que formalmente não poderiam ser investigados na primeira instância, o MPF e Moro incluem no acordo uma cláusula que tinha como principal, ou único destinatário, o próprio ex-juiz. Afirmando ter sido ele mesmo, Moro, alvo de um grampo ilegal, determina-se que Tony recupere o grampo e o apresente à 13ª vara para providências cabíveis. O autor da escuta ilegal seria um advogado, Bertoldo, principal personagem das 30 tarefas distribuídas ao delator. O feito está registrado na penúltima “missão” imposta a Tony.
Tarefa 29: “Interceptação telefônica do Juiz Federal: Segundo Antônio Celso Garcia, o Advogado Bertoldo teria mandado interceptar a linha telefônica do Juiz Federal Sérgio Moro. O grampo teria ocorrido na PIC do MPE onde Bertoldo tem influência. De fato, as interceptações telefônicas do PCD revelam conversa entre Roberto de Siqueira e Eduardo Albertini sobre possível mandado de prisão expedido contra Tony Garcia. Bertoldo, por volta da 1 hora da manhã esteve na casa de Tony Garcia [sic] dizendo para que ele fugisse pois seria preso. Tony [sic] não acreditava e Bertoldo afirmou que tinha grampeado o telefone de Sérgio Moro e ouvira ele ligando para alguém da Força Tarefa para avisar que havia decretado a prisão de Tony [sic]. O beneficiário testemunhará e procurará obter a prova da materialidade delitiva.”
Além de assinar ele próprio o acordo de colaboração ao lado dos procuradores, Moro deixou no processo registros de uma série de cobranças feitas ao longo de anos contra o delator por não entregar tudo o que havia sido pedido, as 30 tarefas, na íntegra.
Em um dos episódios, a Polícia Federal, que monitorava as escutas feitas por e com o auxílio de Tony, relata uma conversa, por telefone, do próprio delator com o ex-juiz. Tony, na ocasião, era réu de Moro. Na conversa, Tony faz reparos ao trabalho do MPF e Moro diz que, independentemente disso, teria de dar alguma condenação ao delator, porque isso estava estabelecido no acordo fechado cerca de um ano antes. Tony foi condenado a seis anos de prisão por fraude em consórcios, mas teve, por conta de sua colaboração, a pena comutada em serviços comunitários. O benefício foi concedido por Moro.
Agora, o ex-colaborador do hoje senador vai ao Supremo para condenar Moro por atuação parcial, anular os efeitos de seu acordo e todas as informações levantadas por ele. O caso está com o ministro Dias Toffoli. Ele recebeu em anexo todas os registros do MPF, da PF e da própria 13ª vara que tratam da colaboração de Tony com Moro por anos no Paraná.
Na moção a Toffoli, o delator se apresenta como uma espécie de prévia, ou projeto piloto, do que viria a ser a Lava Jato.
A íntegra da manifestação de Moro
Tony Garcia é um criminoso que foi condenado, com trânsito em julgado, por fraude e apropriação indébita. Em 2004, fez acordo de colaboração que envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi e a utilização de escutas ambientais autorizadas judicialmente e com acompanhamento da Polícia Federal e do MPF. Essas diligências foram realizadas por volta de 2004 e 2005, e todas foram documentadas. Não incluem qualquer gravação de autoridade com foro privilegiado, nem têm qualquer relação com as investigações do Mensalão ou Petrolão. Aliás, a farsa afirmada por Tony Garcia é facilmente desmascarada por ele não ter qualquer gravação de magistrados do TRF4, STJ ou STF.
O empresário e ex-deputado estadual Tony Garcia pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação de todos os atos praticados pelo hoje senador Sérgio Moro (União Brasil) na condução dos processos penais em que foi réu. Ele acusa o ex-juiz federal de ter lhe usado para investigar juízes, desembargadores e ministros em questões que não tinham relação com o seu processo. Moro nega. No começo dos anos 2000, o ex-deputado foi acusado de fazer parte de um esquema de fraude do Consórcio Garibaldi. Em dezembro de 2004, ele fez um acordo de colaboração premiada homologado por Moro. Anexo ao documento, há uma lista com 30 casos sobre os quais ele deveria trazer informações relevantes para obter os benefícios do acordo.
Atos de Moro questionados por Garcia no Supremo ocorreram em 2004. Nessa lista, só o primeiro item trata do Consórcio Garibaldi. Nos demais, há vários casos de supostas compras de liminares e beneficiamento indevido em processos. Garcia deveria colher provas em casos em que estariam envolvidos ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), um corregedor da Polícia Federal (PF), um juiz eleitoral, um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná e um presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR).
Além desse ponto, Garcia também acusa o ex-magistrado de ter agido como “juiz, acusador e vítima” no caso de uma escuta telefônica que teria sido instalada por um advogado no telefone de Moro. O assunto chegou a se tornar uma ação criminal depois, na qual Moro era a vítima e Garcia a testemunha.
Foto da Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil