Você vai a um restaurante com amigos e pede aquele corte de entrecôte, numa clara demonstração de seu bom gosto culinário. Ou vai ao shopping com a família e pede o tal sanduíche “big alguma coisa” que, afinal, “as crianças adoram”, mas, no fundo, você também. Pouco importa, você acaba de contribuir para a destruição do planeta.
Na coluna da semana passada, apresentei dados demonstrando como a agropecuária industrial1 emite uma grande quantidade de gases de efeito estufa, chegando a 19% das emissões globais (o que equivale a todo o setor de transporte combinado)2.
A criação de animais e as monoculturas são as principais responsáveis pelos impactos da atividade agropecuária no meio ambiente. Em resumo, esses são os maiores problemas:
- O sistema mundial de produção de alimentos emite grande quantidade de dióxido de carbono equivalente, sendo que a fabricação e o uso de fertilizantes emitem 41 milhões de toneladas por ano, a produção de ração para animais emite 90 milhões de toneladas, e a digestão animal (principalmente bovinos) metade do metano adicionado na atmosfera todos os anos.
- A agropecuária consome entre 55 e 80% da água doce utilizada pela humanidade, contribuindo de forma significativa para uma crise hídrica que está ocorrendo em escala global, ameaçando deixar bilhões de pessoas sem água nem para beber.
- Desmatamento, queimadas e poluição química, devido à atividade agrícola, estão causando uma acelerada destruição dos habitats naturais, o que pode promover a sexta maior extinção de espécies da história do planeta.
Nosso sistema global de produção de alimentos tem que mudar, priorizando a produção de vegetais utilizados diretamente na alimentação humana (ao invés de ração para animais), preferencialmente produzidos próximos dos locais onde serão consumidos e utilizando técnicas de cultivo e manejo mais sustentáveis.
É preciso reduzir o uso de fertilizantes, optando por lavouras que necessitem de menos ou de nenhum agrotóxico (sendo que as grandes monoculturas, como soja e milho – que são na maior parte utilizadas para produzir ração animal – são as que mais utilizam agrotóxicos).
A modificação da maneira como produzimos e consumimos alimentos pode não apenas reduzir o risco das mudanças climáticas, mas melhorar a saúde de todos. Dietas mais balanceadas, com maior consumo de plantas, baseadas em grãos, legumes e frutas, representam grandes oportunidades para adaptação e mitigação à crise ambiental ao mesmo tempo em que contribuem para a melhoria da saúde humana.
Estudos mostram que a mudança de uma alimentação baseada em carne para uma alimentação baseada em plantas pode reduzir pela metade a emissão de gases de efeito estufa pela agropecuária, o que representaria uma redução de 4 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente lançados na atmosfera todos os anos.
E isso é algo que todos nós podemos fazer. Para isso, não é necessário adotarmos o vegetarianismo ou o veganismo mais radical. Basta substituirmos a carne na maior parte das nossas refeições, além de reduzirmos o consumo de laticínios e ovos.
Precisamos compreender que – ainda que haja uma verdadeira crença de que devemos ingerir carne ou laticínios em todas as refeições – não há nenhum benefício à saúde em consumirmos proteína animal na quantidade que consumimos. Primeiro, porque as fontes vegetais de proteína, como feijão, soja, lentilha, amendoim, grão-de-bico e muitas outras, podem suprir a maioria de nossas necessidades. Depois, porque uma alimentação baseada em grãos, legumes e frutas fornece uma quantidade e uma qualidade bem maior de nutrientes. Além de todas as calorias que necessitamos.
Muitos médicos costumam receitar aos vegetarianos e veganos suplementos à base de vitamina B12 por acreditarem que somente as carnes fornecem esse suplemento. Mas não é bem assim. Muitas farinhas e cereais já vem enriquecidos em vitamina B12, e frutas como a banana e o morango, e hortaliças como o espinafre também a contém. De qualquer forma, se você não quiser correr nenhum risco, uma porção de carne de qualquer tipo por semana já fornece a quantidade necessária.
Também é um mito que a alimentação baseada em vegetais não é saborosa. Há uma extensa gama de pratos vegetais que nós já adotamos no dia a dia e achamos todos muito bons. A começar pelo sagrado feijão com arroz. Massas, risotos, sopas e muitos outros pratos são preparados sem carne (vá lá, aceitamos um pouco de queijo e ovos) e são tão requisitados em casa ou nos restaurantes como os pratos baseados em carne.
Para os amantes de carne e laticínios, já há substitutos vegetais bastante bons em termos de textura e sabor. E, futuramente, a maior parte da carne provavelmente será “cultivada”, ou seja, produzida a partir de células em fábricas que mais parecerão grandes laboratórios3. Mas o melhor mesmo é se dar conta que as opções vegetarianas podem proporcionar o mesmo prazer à mesa que os pratos com carne.
Essa mudança nos hábitos alimentares faz muito bem para a saúde. O consumo excessivo de carne e laticínios está ligado ao desenvolvimento de problemas cardiovasculares, diversos tipos de câncer, inflamação crônica, distúrbios hormonais (como diabetes tipo 2) e muitos outros problemas graves.
Outro aspecto relevante a considerar é o desperdício de comida. Num mundo em que 700 milhões de pessoas ainda vivem subnutridas (no Brasil, são 14,6 milhões), muita comida é desperdiçada. Atualmente, de 25 a 30% de todos os alimentos produzidos no mundo são perdidos ou desperdiçados. Esse desperdício contribui com 8 a 10% das emissões de gases de efeito estufa do sistema alimentar.
O menor desperdício de alimentos pode não somente reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas também contribuir para o aumento da produtividade agrícola, sem o uso de mais terras. Para isso, precisamos aprimorar os processos de colheita, estocagem, transporte, embalagem, venda e redução do desperdício em restaurantes e mesmo pelas famílias.
Em suma, se você quer ajudar o planeta imediatamente, adote uma dieta baseada em plantas, dê preferência aos produtos da sua região e de época e não desperdice comida. Teste a carne vegetal como alternativa para o dia a dia. E pressione os governos e legisladores (temos eleições esse ano!) para priorizarem as ações e incentivos à agricultura sustentável.
Se você fizer isso, não vai precisar recusar os convites para um eventual churrasco com as pessoas de quem você gosta e pode até se recompensar – moderadamente – com a carne que você mais aprecia. O planeta vai tolerar.
1A agricultura ou agropecuária industrial é um sistema de produção agrícola e criação de animais que se assemelha a uma fábrica. Ela usa tecnologias avançadas como máquinas e fertilizantes químicos para maximizar a produção de alimentos. Suas características principais são: intensa mecanização, uso de fertilizantes e pesticidas, monoculturas, produção em grande escala e uso de biotecnologia (modificação genética de plantas e animais).
2Para uma visão mais completa dos processos que geram gases de efeito estufa, consulte meu livro “Planeta Hostil”. O livro descreve de forma abrangente os processos de degradação ambiental do planeta e pode ser adquirido nas principais livrarias físicas do Brasil, no site da editora Matrix (www.matrixeditora.com.br) e em livrarias online como a Amazon.
3A carne cultivada, também conhecida como carne de laboratório, é produzida em laboratório (e futuramente em grandes fábricas) a partir de células animais. Em vez de vir de um animal abatido, ela é cultivada em um ambiente controlado, similar a como se cultivam plantas. Seu uso poderá reduzir a emissão de gases de efeito estufa, liberar grandes áreas para o cultivo de plantas e garantir a segurança alimentar da crescente população mundial.
Observação final: para vídeos e textos adicionais, confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Agência Brasil
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