Maria Bernadete Pacífico, a Mãe Bernardete, foi assassinada a sangue frio, na última quinta-feira, dia 17, na cidade de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, Bahia, com tiros disparados à queima roupa por dois assassinos.
Mãe Bernardete foi uma ialorixá assassinada dentro do terreiro de candomblé de sua comunidade. Mãe Bernardete morreu em seu lugar de fé, um terreiro é como uma igreja, uma sinagoga ou mesquita e a incapacidade de perceber isso tem nome: racismo religioso. Ele não se resume apenas na demonização de suas crenças e rituais das religiões de matriz africana, muitas vezes feitas sem qualquer vergonha, em público, mas mora também na incapacidade de ver um terreiro de umbanda e candomblé como um local sagrado.
Mãe Bernardete foi morta por tiros disparados no coração do Quilombo Pitanga dos Palmares, onde vivia junto de cerca de 290 famílias em 854 hectares. O quilombo foi certificado em 2004, mas ainda não teve o processo de titulação concluído.
Já se passaram quase 20 anos desde a certificação, alguns deles (sobre)vividos no mandato de um presidente que prometeu que em seu governo não teria “um centímetro demarcado para quilombola.” Também pesava quilombolas em arrobas escancarando um processo de desumanização que fez de Mãe Bernardete, líder e ativista, coordenadora nacional de Articulação de Quilombos, a 11ª liderança quilombola assassinada na Bahia nos últimos 10 anos.
Mãe Bernardete foi morta após ser tantas vezes ameaçada ao denunciar a extração ilegal de madeira em sua comunidade quilombola. As árvores dali fazem parte de sua vida e de sua identidade, fazem parte do território como a terra faz parte de quem ali vive. Elas não são objetos destinados à exploração, rapina e lucro, são vida e não dinheiro. O mundo que transforma tudo em mercadoria e mata ambientalistas a tirou de seu caminho à bala.
Mãe Bernardete foi fuzilada na frente de seus netos. Os assassinos sem rosto, escondidos em capacetes de motociclistas atiraram no rosto de uma mãe enlutada, que buscava justiça por seu filho Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, assassinado há seis anos. Justiça seria não só prender os responsáveis, mas dar a terra a quem nela vive, prover a quem trabalha condições para dela tirar seu sustento e não ter que defendê-la com seu sangue e o sangue dos seus filhos.
Mãe Bernardete era uma pessoa protegida pelo Estado. Sua morte violenta joga em nossa cara a omissão e fracasso de nosso País e sociedade. Falhamos em preservar a vida de uma pessoa que vivia sob permanente proteção policial, que havia sido recebida pelas altas autoridades deste País. Tudo em vão, as árvores continuam sendo derrubadas, a terra não é titulada, as orações e cantos ancestrais silenciados e a vida de quem estava no centro de tudo isso foi ceifada.
Como nos diz o Professor Sidnei Nogueira, “uma Ialorixá é uma rainha – e o racismo não suporta a existência de uma rainha negra.” Eu não sabia disso, porém, permanecer na ignorância é uma opção que levará ao choro por muitas Mãe Bernardetes espalhadas pelos quilombos e terreiros espalhados Brasil afora.