Há alguns meses cancelei a assinatura de uma página de notícias. Como não poderia deixar de ser, a empresa entrou em contato comigo para tentar me convencer a mudar de ideia. E conseguiu. Após ter me convencido, a funcionária perguntou se eu tinha alguma sugestão referente ao conteúdo oferecido pela página, e eu disse que gostaria que eles dessem às mudanças climáticas a mesma importância que deram à pandemia da covid-19 no seu auge. A pandemia foi um evento grave e trágico, com quase 700.000 óbitos registrados somente no Brasil, e que alterou drasticamente a rotina de bilhões de pessoas no mundo todo. Mas, infelizmente, não foi nada perto da gravidade das mudanças climáticas.
Estamos recém começando a experimentar essa gravidade. A recente tragédia no litoral paulista foi causada pelo maior temporal já registrado no Brasil, ou seja, foi o maior volume de chuva já registrado em 24h, equivalente a 683mm, em Bertioga. Em outras palavras, foram 683 litros de chuva por metro quadrado em apenas 24h! Apenas um ano antes, a cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, havia passado por uma tragédia semelhante, a maior de sua história, também causada por um volume de chuvas recorde. Ainda que essas duas tragédias tenham ocorrido devido à combinação do alto volume de chuvas com a ocupação inadequada de áreas de risco, fenômenos extremos como esse estão ocorrendo no mundo inteiro e provocando desastres também em países cuja urbanização e ocupação do solo tendem a ser bem mais regradas.
Em 2021, por exemplo, a Alemanha enfrentou chuvas recordes que provocaram inundações e enxurradas, causando a morte de mais de 170 pessoas. Paralelamente, estiagens e secas também têm atingido frequência e intensidade recordes. No ano passado, a seca na Europa foi a pior dos últimos 500 anos, e o continente registrou temperaturas extremas em várias cidades. Também em 2022, Argentina e Paraguai registraram recordes de calor. Esses são apenas alguns exemplos de eventos climáticos extremos ocorridos recentemente. Infelizmente, a cada ano teremos mais exemplos e mais recordes dramáticos sendo batidos.
E, quem conseguir escapar ileso de enchentes e puder se refugiar no ar-condicionado quando a temperatura estiver insuportável, estará livre dos problemas causados pelo aquecimento global que são, na verdade, causados por nós? Bom, primeiramente, pode não ser possível ligar o ar-condicionado… Hidrelétricas abastecidas por rios em condições extremas de estiagem não funcionam. E tomara que em breve não seja permitido acionar usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis para suprir a demanda. Mas esse é um problema menor.
Quem mora no Rio Grande do Sul deve lembrar que no verão do ano passado e, em menor escala, também no desse ano, cenoura e alface, hortifrutigranjeiros básicos, sumiram das feiras e das prateleiras dos supermercados. A pergunta é: com o agravamento contínuo das condições climáticas, o que deve acontecer com a produção de alimentos? A resposta é um tanto óbvia e assustadora. Trago o exemplo da cenoura e da alface para nos darmos conta de que esse não é um problema para daqui a cem anos.
Muitas outras consequências das mudanças climáticas poderiam ser citadas aqui, como o aumento do nível dos oceanos, a perda da biodiversidade… algumas dessas consequências, como o aumento na quantidade de incêndios, podem causar efeitos em cascata no clima, talvez nem previstos nos modelos climáticos que projetam os cenários futuros… vários ecossistemas, como a Amazônia, estão se aproximando do ponto de não retorno, ou seja, em breve estarão alterados de forma irreversível…
E o que temos feito diante da catástrofe em curso? Quase nada. Ou melhor, tudo o que sempre fizemos, levando nossa vida como se nada estivesse acontecendo. Em um relatório de 2018, o IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – projetou um cenário para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Nesse cenário, previa o aumento das emissões globais de gases do efeito estufa até 2020, no ritmo em que estava ocorrendo, e, desse ano em diante, o início de uma drástica redução até que as emissões atingissem zero em 2040 (cenário mais seguro) ou, no máximo, 2055. E o que ocorreu a partir de 2020? As emissões globais, é óbvio, continuaram subindo… Somos estúpidos, como lembra o documentário que fez “cair a ficha” para mim, “A Era da Estupidez”. As publicações científicas tentam nos avisar sobre essa estupidez, de forma cada vez mais dramática, como no Relatório sobre a Lacuna de Emissões de outubro de 2022, também do IPCC, cujo título é “A Janela que se fecha – Crise climática pede rápida transformação da sociedade”.
Está em curso, portanto, um processo de colapso do nosso planeta. Talvez a única tábua em que podemos nos segurar nesse naufrágio seja a colapsologia, corrente que pretende preparar as pessoas para um século de desastres, de acordo com o francês Pablo Servigne, um dos principais teóricos dessa corrente. A ideia é que temos que nos adaptar a essa realidade, na medida do possível. Aliás, já em 1995, William Rees, o criador do conceito de pegada ecológica, havia escrito que “embora haja muito o que os planejadores possam fazer para ajudar a construir a sustentabilidade, um forte argumento pode ser dado de que eles devem gastar melhor seu tempo planejando o fracasso ecológico e o colapso socioeconômico subsequente”. Será mesmo, então, que não temos mais nada a fazer?
É certo que não adianta ficarmos esperando que os governos resolvam tomar todas as medidas necessárias. Também não é suficiente apenas pressioná-los a agir. É necessário que todos os cidadãos, do mundo inteiro, estejam mobilizados para essa necessária mudança radical na sociedade. E essa mobilização é possível? A pandemia mostrou que sim. É possível salvar o planeta, se as mudanças climáticas forem manchete todos os dias.
*Eduardo Baldauf é arquiteto e mestre em Sustentabilidade e Gestão de Riscos