A academia – a produção científica – é uma caixa preta. Assim é também o universo de iniciativas envolvendo questões climáticas que estão acontecendo mundo afora. Tanto conhecimento é produzido, tantas pesquisas são desenvolvidas, mas pouco chega para a sociedade o que significam os avanços e as descobertas. Todo esse conhecimento deve ser “mediado”, ou melhor, explicado de uma forma simples para que as pessoas possam entender o que isso afeta na vida delas.
Pois tenho participado de eventos onde estou me convencendo da necessidade cada vez maior do trabalho do jornalista para fazer esse meio de campo. Confesso que muitas vezes cheguei a desanimar de seguir nessa profissão desafiadora. E, também, porque com a chegada das redes sociais, dos tais influenciadores, qualquer pessoa que sabe se posicionar e falar perante a câmera, se acha entendido para dizer coisas que nem sempre condizem com a realidade. Também tem a guerra de narrativas etc.
Faço essa introdução, porque ouvi da juíza federal Rafaela Rosa, no 11º Fórum Gaúcho de Gestão Ambiental (FIGA), promovido pela Associação Riograndense de Imprensa e Ministério Público do RS, a importância dos jornalistas na disseminação do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em Inglês).
A juíza contou que o IPCC vem desde 1988 reunindo informações, estudando, trocando informações sobre o aumento da temperatura do planeta. Mas os dados, o trabalho do grupo de cientistas, que reúne milhares de pesquisadores de vários cantos do mundo, só se tornou conhecido depois que jornalistas tornaram os milhares de trabalhos técnicos em uma linguagem mais palatável. Tanto que o IPCC dividiu o Prêmio Nobel da Paz de 2007 com o vice-presidente americano Al Gore.
Rafaela Rosa, que atua no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, alerta que vai aumentar a litigância, a judicialização envolvendo uma série de variáveis que a crise climática implica. Seguradoras, por exemplo, já estão se negando a assinar contratos em áreas de risco, como Malibu, nos Estados Unidos. Já pensaram como ficará o seguro agrícola no Brasil?
Tudo isso para contextualizar que tanto as empresas como imprensa e governos precisam se preparar para comunicar o que significam as medidas a serem tomadas com relação ao clima. Para começo de conversa, os repórteres devem entender minimamente como a natureza funciona, como é o relevo, o que é uma bacia hidrográfica do local onde estão atuando.
Planos para tratar de clima no RS
Estive no lançamento do ProClima 2050, anunciado pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul. Fiz uma reportagem para o site do Extra Classe. É imprescindível que a sociedade, a imprensa saiba conectar o que representa o desmonte das políticas de proteção ambiental frente a esse “novo normal”. Sim, teremos mais eventos extremos pela frente, como bem reconheceu o governador Eduardo Leite.
Leite afirmou algumas vezes durante o evento o quanto o agro não é o vilão do clima. Só que, no mesmo dia, foi divulgado um estudo pelo Observatório do Clima, a partir de dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), que aponta as cadeias produtivas alimentares como responsáveis por 73,7% das emissões brutas de GEE do Brasil em 2021.
Do total de 2,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) lançadas na atmosfera pela economia brasileira em 2021, cerca de 1,8 bilhão foram decorrentes da produção de alimentos no Brasil. A esmagadora maioria (1,4 bilhão de tCO2e) desse montante está relacionada à produção de carne bovina. Se fosse um país, essa indústria seria o 7º maior emissor de GEE do planeta, à frente de países como o Japão.
Não vi circular esses dados na imprensa gaúcha. Há muita coisa acontecendo que as pessoas ou não tem acesso ou omitem a circulação porque há outros interesse. Ou seja, para encarar esse cenário precisamos, pelo menos, que as pessoas que entendem o quanto tudo está interligado saibam decodificar os fatos que acontecem a sua volta como que está acontecendo no mundo. Vale a leitura do artigo O estado do relatório climático de 2023: entrando em território desconhecido. Os autores enfatizam o ritmo rápido das mudanças climáticas.
Fazer o bem não importa a quem
E aí te convido a assistir a gravação do Domingão do Hulk do dia 22 de outubro. Sim, não é brincadeira. Precisamos que todos, do investidor ao vendedor de pipoca, entenda onde estamos metidos. A produção impecável da TV Globo conseguiu fazer algo magnífico, imperdível para quem quer entender o porquê da necessidade de agirmos já. Na estreia do quadro “Fazer o bem não importa a quem”, Luciano Huck mostra, de forma bastante didática, a conexão entre a destruição da maior floresta tropical do mundo e o aquecimento global. O apresentador vai de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), na comunidade Tumbira, às margens do Rio Negro, no Amazonas até a Patagônia com Roberto. O cara, sozinho, por 26 anos, derrubou 60 mil árvores, até “descobrir” que teria melhores condições de vida mantendo a floresta em pé.
Para quem acompanha esse assunto tão árduo, se deparar com iniciativas como essa da Globo é um bálsamo. Investir em estratégias de comunicação, programas de alta audiência é um dos caminhos para que a população compreenda onde estamos emaranhados nesse 2023, entre guerras, disputas do Brasileirão, da Libertadores da América e da separação da Sandy do Lucas.
Saúde mental de jornalistas
Não tem sido fácil para os jornalistas cobrirem tantas desgraças. Vale ler o artigo da Seigonie Mohammed sobre a saúde mental de quem trabalha cobrindo desastres climáticos em redações no Caribe. É fundamental sabermos lidar com tamanho desafio.
Poder dos acionistas
Por fim, outra dica que avalio ser daquelas para adiar o fim do mundo, vem do Fábio Alperowitch. É o webinar “Stewardship para descarbonizar, criar valor financeiro e prevenir riscos e litígios climáticos em empresas: o novo fundo de transformação climática da fama re.capital“. Será no dia 8 de novembro, às 9h, e a pauta é como usar o poder de acionista para pressionar empresas a mudarem de postura frente às mudanças climáticas.
Segundo ele, esse debate está atrasado no Brasil e precisa ser entendido e debatido com urgência. A moderação será de Caio Borges, do Instituto Clima e Sociedade, com a convidados internacionais (haverá tradução). Entre os participantes estão Olga Hancock, Head de Investimentos Responsáveis do Church Commissioners for England, uma das proprietárias de ativos mais comprometidas com a agenda do clima; Glenn Hurowitz, da Mighty Earth, uma ONG com atuação global de advocacy ambiental, que realiza campanhas para promoção de políticas públicas climáticas e pressionar empresas a adotarem práticas sustentáveis; e Ana Carolina Salomão, do Pogust Goodhead, escritório de advocacia que tem se destacado pela atuação em litígios transnacionais de violações de direitos humanos e meio ambiente.
Para saber mais sobre isso e se inscrever no evento, acesse AQUI.