Eu sou um poço sem fundo de contradições, ou seja, sou humana, mundana e sem vergonha da minha incoerência. Adoro ficar em casa, na minha bolha, mas quando ponho o pé na estrada adoro a sensação de novidade e liberdade.
Enquanto escrevo, estou no início de uma viagem por lugares familiares e outros totalmente desconhecidos. Vou realizar o sonho de conhecer um dos lugares mais distantes da minha realidade possível, mas isso conto quando chegar lá.
Hoje estou na Califórnia, um lugar que sempre vai ser, de alguma forma, uma das minhas casas. Morei anos aqui, enquanto passava por uma das maiores transformações da minha vida. Foi um período de autorrelaxamento tenso e profundo, onde mudei de casa, emprego, carreira e estado civil.
Nunca vou esquecer o sentimento da primeira semana, quando voltava de uma entrevista de emprego à noite, sozinha, dirigindo naquelas pistas gigantescas de uma freeway engarrafada, e me dei conta de que estava naquele local lotado de gente, mas onde eu não conhecia ninguém, absolutamente ninguém. Deu medo, frio na barriga instantâneo e persistente, e, ao mesmo tempo, orgulho daquela maluquice. Eu morava temporariamente num quarto de hotel de quinta categoria, enquanto procurava emprego, casa e um sentido para o que eu estava fazendo. Mas eu tinha um sonho e minha filha para focar, então era tudo o que eu precisava para continuar.
O tempo passou, eu arrumei um emprego, depois um emprego melhor, uma casa, depois outra no lugar onde eu queria, tão perto da praia que eu ia de bicicleta costeando o mar até o trabalho. Fiz amigos, alguns que tenho até hoje, outros que nunca mais ouvi falar. Não foi fácil, foi desafiador e mudou, de novo, minha vida. Era uma vida simples, mas feliz, num verão e pores do sol sem fim, até o dia em que ficou confortável e repetitivo demais e resolvi mudar, de novo.
Passados anos dessa mudança, voltei hoje à praia onde eu morava. O lugar da minha memória já não existia. Até o mar parecia diferente. O bairro, num processo chamado gentrificação, e que já acontecia quando eu morava lá, transformou a praia pitoresca num dos aluguéis mais caros de Los Angeles, onde os moradores de rua foram retirados (não, o problema não foi resolvido, só varreram para debaixo do tapete) e os pequenos comércios locais foram substituídos por redes e grifes.
Sim, o lugar mudou, mas meu olhar também. O que aconteceu no meu bairro não aconteceu do dia para a noite, não foi como se eu acordasse de um coma e descobrisse que o Muro de Berlim caiu como no filme Adeus, Lenin!
Acho que, tanto quanto a mudança, seja crescimento ou decadência de um local, o que também muda é a gente. Um lugar que foi bom ou traz boas lembranças pode não significar o mesmo que significava anos atrás. O momento em que a gente vive e o que está esperando da vida fazem toda a diferença, seja onde for. Hoje não fico mais em lugares onde não quero mais estar ou me sinto desconfortável. E essa frase não é sobre cidades.
Foto da Capa: Acervo da Autora
Mais textos de Anna Tscherdantzew: Clique Aqui.