Meu livro “Planeta Hostil”1 foi lançado em fevereiro desse ano, mas, naturalmente, o carreguei comigo por muito tempo, enquanto fazia uma ampla pesquisa sobre os processos de degradação ambiental do planeta e decidia que abordagem seria mais efetiva para comunicar seu conteúdo. O resultado é um livro sombrio (“arrepiante” segundo os editores). Não porque seja alarmista ou pessimista, mas porque a realidade é realmente preocupante. Na minha visão, é necessário conhecer bem os problemas que a humanidade está criando para si mesma ao degradar o planeta se quisermos enfrentá-los de maneira efetiva.
Apesar de causar um certo desconforto, o “Planeta Hostil” fala sobre algo que diz respeito a todos nós. Seja onde você mora no Brasil, ou no mundo, já deve estar sentindo os efeitos das transformações da Terra. O livro, como eu disse, é realista e adverte que precisamos agir rapidamente para evitar que nosso meio ambiente e nossas vidas descambem para catástrofes cada vez maiores. O que eu não esperava é que, menos de seis meses após seu lançamento, seus cenários mais preocupantes estejam se confirmando rapidamente. Nesse contexto, o livro está se revelando otimista em demasia, pois a situação está se deteriorando de maneira acelerada, e a humanidade está fazendo muito pouco para evitar que piore. Vejamos alguns exemplos.
Mudanças climáticas
Chuvas intensas, inundações e deslizamentos, ondas de calor, estiagens prolongadas, subida do nível do mar. Tudo o que está acontecendo no Brasil, e no mundo, era previsto pelos modelos climáticos em função do aquecimento da atmosfera e das águas dos oceanos. Mas a rapidez das transformações está surpreendendo até os climatologistas mais experientes. Como disse o professor da University College London Bill McGuire: “Eu sou um cientista climático, se você soubesse o que eu sei estaria apavorado…”. Deveríamos mesmo estar apavorados e dispostos a agir para evitar que a situação piore. Só que isso não está acontecendo, nem no mundo, nem no Brasil.
Consumo de petróleo
Semana passada, a Exxon, a maior companhia de petróleo do mundo, publicou suas previsões para o consumo mundial de petróleo em 2050. Esse é o ano que tem sido alardeado por muitos governos e organizações como o ano em que o mundo deveria atingir a meta de carbono zero, para evitar as consequências mais catastróficas do aquecimento global. Para que esse objetivo seja atingido, a consumo de petróleo teria que ser reduzido em mais de 75%.
E o que diz o relatório da Exxon? Que a demanda mundial de petróleo deve estar, em 2050, em cerca de 100 milhões de barris por dia, ou seja, a mesma que a atual, devido principalmente pelo crescimento dos usos industriais, como a produção de plástico, e o transporte de cargas pesadas. Segundo Chris Birdsall, diretor de economia e energia da Exxon: “a AIE (Agência Internacional de Energia) afirma, assim como nós, que o mundo não está nesse caminho” (ou seja, de uma redução progressiva do consumo de petróleo).
Em outras palavras, a Exxon afirma que está sendo realista quanto às estimativas da demanda mundial por petróleo, e que, novamente citando Birdsall: “Temos que ser muito claros sobre isso, caso o contrário estaremos nos iludindo”. Ou seja, vamos continuar consumindo petróleo e emitindo gases de efeito estufa nas mesmas quantidades até muito depois de 2050.
Transição energética
Também na semana passada a BP, outra grande companhia de petróleo, emitiu um alerta para uma transição energética “desordenada” após uso recorde de combustível fóssil, liderado pelo aumento da demanda por petróleo.
Segundo o relatório da BP, o mundo está se afastando muito mais lentamente dos combustíveis fósseis do que seria necessário para evitar mudanças climáticas severas, aumentando os riscos de que a eventual transição para energia limpa seja “desordenada”.
Ainda segundo eles, os países estão aumentando o uso de energias renováveis, mas, como o consumo total de energia também está aumentando, a demanda por combustíveis fósseis continua crescendo.
Esse “alerta” e as estimativas de continuidade da demanda têm sido utilizados por muitos, incluindo uma parte do governo brasileiro e a Petrobras, para justificar a continuidade dos investimentos na exploração e produção de petróleo, incluindo a exploração na Margem Equatorial.
É compreensível que governos se preocupem com a segurança energética. Sem energia, um país não funciona e um colapso prolongado no seu fornecimento pode ter consequências trágicas. Por outro lado, essa preocupação legítima não pode ser utilizada para justificar a inação e muito menos servir para sermos enganados por quem só deseja maximizar seus lucros, mantendo a condição atual.
O fato é que, se Exxon, BP e a AIE estiverem corretas, nós estamos caminhando para uma situação tão grave que é até difícil imaginar. Como eu alerto no livro, assim como muitos outros autores e cientistas, se continuarmos emitindo gases de efeito estufa na quantidade que emitindo, o planeta atingirá provavelmente a marca de 3 °C de aquecimento antes de 2050, uma perspectiva que representa uma ameaça até a civilização como conhecemos.
Legislação brasileira
Um dos aspectos fundamentais para se conseguir combater as mudanças climáticas e as demais formas de degradação ambiental é por meio de uma legislação adequada. Nesse caso, o Brasil está andando para trás.
Em 14 de agosto de 2024, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, na maioria constituída por deputados “conservadores”, aprovou o Projeto de Lei 2168/2021 que propõe uma alteração do Código Florestal para liberar estruturas de irrigação nas áreas protegidas, incluindo a permissão para barramento de cursos d’água. Construções para facilitar aos rebanhos o acesso à água – também estão inclusas na proposta.
A justificativa dos seus defensores lembra a do governador do Rio Grande do Sul ao justificar as quase 500 mudanças no Código Ambiental do RS: “Ninguém está pensando em prejudicar o meio ambiente, pretendemos apenas simplificar a legislação e evitar o excesso de burocracia”.
Esse PL é só mais um de muitos que, nos anos recentes, afrouxaram o controle sobre as agressões ao meio ambiente. Em 2019, o governo baixou uma Medida Provisória que depois o Congresso transformou na Lei 14.004/2020, conhecida como MP da Regularização Fundiária, que flexibilizou a regularização de terras ocupadas ilegalmente na Amazônia. Isso foi considerado como um incentivo ao desmatamento, ao permitir a legalização de grandes áreas de terras públicas ocupadas irregularmente.
Este ano, mesmo durante a tragédia no Sul, o Congresso continuou aprovando pautas que reduzem a proteção ambiental, como a derrubada dos vetos do Presidente Lula à nova lei dos agrotóxicos, a chamada “Lei do Veneno”. Nesse caso, com a derrubada dos vetos a liberação final de agrotóxicos deixou de ser atribuição do Ibama e da Anvisa e se tornou responsabilidade exclusiva do Ministério da Agricultura, um órgão que não tem escondido suas políticas favoráveis ao agronegócio, mesmo quando prejudicam o meio ambiente.
Assim como os mencionados, há centenas de propostas de projetos de lei prejudiciais à proteção ambiental esperando tramitação no Congresso. Se considerarmos que 50 dos 81 senadores fazem parte da chamada bancada ruralista e 309 dos 531 deputados fazem parte da Frente Parlamentar Agropecuária, a situação não deve mudar tão cedo.
Uma notícia boa (talvez…)
Com o mundo e o Brasil nos trazendo tantas más notícias, temos que buscar algo para manter nosso “realismo esperançoso”2. Recentemente, o lançamento de dois “pactos” sinalizou que algo pode estar mudando na sociedade brasileira.
Primeiramente, os Três Poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – se uniram no Pacto pela Transformação Ecológica, assinado em 21 de agosto, no qual se comprometem “a atuar de forma harmoniosa e integrada a partir de medidas no âmbito de suas competências para definir um novo rumo de desenvolvimento para o país”
Ainda segundo o documento: “Transformação ecológica é uma mudança nos paradigmas econômicos, tecnológicos e culturais em prol do desenvolvimento — a partir de relações sustentáveis com a natureza e seus biomas — para possibilitar a geração de riqueza e sua distribuição justa e compartilhada, com melhoria na qualidade de vida das gerações presentes e futuras”.
Na semana passada, um grupo de 50 influentes empresários e economistas brasileiros assinou um manifesto se comprometendo a ajudar os Três Poderes do Brasil em busca de soluções para a crise climática.
O documento, chamado de “Pacto Econômico com a Natureza”, pede “um diálogo aberto para que seja possível manter o desenvolvimento econômico sustentável no Brasil sem comprometer ou esgotar o meio ambiente”.
Por enquanto, como costuma dizer a Greta Thunberg: “É tudo blá-blá-blá”. Já temos visto muitos “pactos”, “compromissos”, “discursos” e outros textos e palavras que se revelaram decepcionantes em termos de ações concretas. Pode ser mais da mesma coisa, mas fica um fio de esperança de que desta vez não seja, e a sociedade brasileira comece de fato a mudar de atitude.
1O livro “Planeta Hostil”, que apresenta uma visão ampla dos processos de degradação ambiental do planeta, pode ser encontrado em livrarias físicas de todo o Brasil e em lojas online.
2Expressão do Ariano Suassuna que significa, a meu ver, que devemos ser otimistas, mas não tolos.
Observação final: para vídeos e textos adicionais, confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
Mais textos de Marco Moraes: Clique Aqui.