Dia 8 de março é o Dia Internacional da Mulher e eu resolvi analisar o que foi dito sobre as mulheres nas canções das músicas brasileiras. Passei por todos os ritmos e estilos musicais, buscando identificar os temas recorrentes e as alterações ocorridas ao longo do tempo. A música é um bom indicador do comportamento da sociedade, ali se percebe como são feitas as declarações de amor, a exaltação da força da mulher, os ciúmes e as traições e, direta ou indiretamente, aparecem as expressões do machismo, da submissão da mulher, bem como do seu empoderamento.
O amor e as paixões continuam sendo o tema predominante, já na década de 1950 Luiz Gonzaga cantava no Xote das Meninas: “De manhã cedo já está pintada. Só vive suspirando sonhando acordada. O pai leva ao doutor a filha adoentada. Não come, nem estuda, não dorme, nem quer nada.” Nos anos 60, Vinícius de Moraes eternizou a sua declaração de amor por uma mulher na canção Eu sei que vou te amar: “Eu sei que vou chorar. A cada ausência tua eu vou chorar. Mas cada volta tua há de apagar. O que essa ausência tua me causou. Eu sei que vou sofrer. A eterna desventura de viver. À espera de viver ao lado teu. Por toda a minha vida”. Quem não lembra de Amada Amante, cantada por Roberto Carlos na década de 70? “Que manteve acesa a chama. Da verdade de quem ama. Antes e depois do amor. E você amada amante. Faz da vida um instante. Ser demais para nós dois.” Nos anos 90 Zezé Di Camargo & Luciano romperam a bolha do sertanejo e conquistaram a classe média com o sucesso É o amor: “É o amor. Que mexe com minha cabeça e me deixa assim. Que faz eu pensar em você e esquecer de mim. Que faz eu esquecer que a vida é feita pra viver.” E nos anos 2000 Gilberto Gil encantou todos os corações com Esperando na Janela: “Por isso eu vou na casa dela, ai, ai. Falar do meu amor pra ela, vai. Tá me esperando na janela, ai, ai”.
Várias canções dos anos 80 exaltaram a força da mulher. Erasmo Carlos cantou Mulher: “Dizem que a mulher é o sexo frágil. Mas que mentira absurda! Eu que faço parte da rotina de uma delas. Sei que a força está com elas.” Rita Lee em Cor de Rosa Choque diz: “Sexo frágil. Não foge à luta. E nem só de cama. Vive a mulher.” Caetano em Você é linda cantou: “Você é forte. Dentes e músculos. Peitos e lábios. Você é forte. Letras e músicas. Todas as músicas. Que ainda hei de ouvir”. A mana Bethânia compôs Carta de Amor: “Medo não me alcança. No deserto me acho. Faço cobra morder o rabo. Escorpião virar pirilampo”.
Ciúmes e traições são sucesso garantido. Raul Seixas, sempre a frente do seu tempo, já em 1975, quando lançou A Maçã, fazia uma autocrítica do ciúme que sentia da sua amada: “Quando eu te escolhi. Para morar junto de mim. Eu quis ser tua alma. Ter seu corpo, tudo enfim. Mas compreendi. Que além de dois, existem mais. Amor só dura em liberdade. O ciúme é só vaidade. Sofro, mas eu vou te libertar”. Ainda nos anos 70, Beth Carvalho falava de traição no samba Chora: “Você pagou com traição. A quem sempre lhe deu a mão”. Em pleno século XXI, em 2016, a traição resulta num barraco na canção 50 Reais cantada por Naiara Azevedo em que o marido é pego em flagrante num motel: “Não sei se dou na cara dela ou bato em você. Mas eu não vim atrapalhar sua noite de prazer. E pra ajudar pagar a dama que lhe satisfaz. Toma aqui uns 50 reais”.
A submissão das mulheres aos desejos dos homens foi denunciada na canção Mulheres de Atenas, quando Chico Buarque mostrou nos anos 70 que o Brasil ainda era uma Atenas: “Elas não têm gosto ou vontade. Nem defeito, nem qualidade. Têm medo apenas. Não tem sonhos, só tem presságios. O seu homem, mares, naufrágios. Lindas sirenas, morenas”. Me surpreende que nos anos 2000, alguém possa propor a submissão da mulher e que estas canções façam sucesso. Será que curtimos estas músicas sem nos darmos conta dos seus conteúdos? Por exemplo, Ivete Sangalo canta em Não Precisa Mudar: “Não precisa mudar. Vou saber fazer o seu jogo. Saber tudo do seu gosto. Sem deixar nenhuma mágoa. Sem cobrar nada”. Outro sucesso recente de Lauana Prado tem como título Cobaia: “Quando for beijar alguém. Testa esse beijo em mim. Antes de amar meu bem. Testa esse amor em mim … Me prenda, me usa e saia. Aceito esse emprego de cobaia”.
O empoderamento da mulher chegou até em canções que eram predominantemente machistas como o sertanejo. Exemplo disso foi o sucesso de Marilia Mendonça cantando Festa das Patroas: “Você tem que aceitar que elas vieram pra ficar. E vão te arrastar, seu copo ela vai virar. E elas não são bobas. Tão na festa das patroas”. Outro ritmo que se popularizou foi o funk, que saiu da periferia e tomou conta das baladas da classe média. Deixou de ser feio rebolar a bunda para dançar. Em Não Sou Obrigada, Pocah escancara esta questão: “Deixa eu te lembrar que eu não sou obrigada a nada. Ninguém manda nessa raba. Uma bunda dessa não nasceu pra ser mandada. Ninguém manda nessa raba”. Cantoras como Simone & Simaria e Anitta expressam a independência da mulher em Loka: “Põe aquela roupa e o batom. Entra no carro, amiga, aumenta o som. E bota uma moda boa. Vamos curtir a noite de patroa. Azarar os boy, beijar na boca. Aproveitar a noite, ficar louca”.
Gostando ou não de determinados ritmos e estilos musicais, consta-se que houve um avanço considerável no conteúdo das canções relativas ao papel da mulher nas relações pessoais e na sociedade. Chico Buarque, que dedicou mais de cem canções para falar das mulheres, talvez seja o compositor que mais influenciou a nova geração de cantoras e compositoras. Ele deu voz para as “Genis”, falou da dor das mães que perderam os filhos para a ditadura e de outras formas de opressão.
Encerro trazendo as cantoras e compositoras que marcaram época: Chiquinha Gonzaga, Dona Ivone Lara, Dolores Duran, Joyce Moreno, Sueli Costa, Maysa, Elza Soares, Elis Regina, Nara Leão, Gal Costa, Maria Bethânia, Sandra de Sá, Rita Lee, Marina Lima, Paula Toller, Marisa Monte, Alcione, Mart’nália, Fátima Guedes, Angela RoRô, Roberta Miranda e Marília Mendonça. Quero dizer que vejo um novo começo de era, que vocês mulheres não são a metade da laranja, o docinho de coco, nem a pichula, são pessoas que vão à luta, conhecem a dor e que merecem viver e amar como outra qualquer do planeta. Homenageio neste dia todas minhas queridas leitoras e em especial, a Grace, o meu amor e, a Dona Gelcy, a minha admirável mãe. Beijos para todas vocês.