Na semana passada participei do Enanpad 2023, o maior evento acadêmico na área de Administração, Contábeis e Turismo do Brasil e lá assisti um painel sobre Mulheres Exaustas na Contemporaneidade, sobre o qual eu quero comentar e compartilhar aqui alguns pontos que foram discutidos.
As mulheres sempre trabalharam, cuidaram dos filhos, dos velhos, prepararam a comida, cuidaram da casa e, nas últimas décadas, não foi mais necessário catar lenha para cozinhar, carregar água e gastar tanto tempo lavando roupas, a água encanada, o fogão a gás/elétrico, a lava-roupas/lava-louças e demais eletrodomésticos mudaram a rotina das “donas de casa”. Isto tudo ajudou, mas ainda exige trabalho e gestão das muitas atividades domésticas. As mulheres lutaram e conseguiram ingressar no mercado formal de trabalho, nas mais diversas profissões, mas isto se tornou a sua segunda ou a terceira jornada de trabalho, não houve uma “realocação das tarefas e da gestão” que elas já faziam. Isto já deixa claro porque elas se sentem exaustas, mas não é só isto, vamos analisar outros aspectos desta discussão.
A Diretora da London School, Minouche Shafik, lançou em 2021 o livro “Cuidar um dos Outros – Um Novo Contrato Social”. Ela diz que precisamos de um novo contrato social, pois o mundo mudou e continuamos com o mesmo contrato social de antes das mulheres entrarem no mercado formal de trabalho, feito pelos homens e para os homens. Este tema pode parecer “antigo”, mas vale lembrar que apenas em 1981 entrou em vigor o primeiro tratado internacional que dispõe amplamente sobre os direitos da mulher, onde se propõe a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher.
Nas manifestações feitas pelas mulheres no tal painel, foi saudada a presença de homens e foi feito o reconhecimento da parceria de muitos homens na educação dos filhos, nos cuidados da casa e no compartilhamento das tarefas com as mulheres. Do meu ponto de vista, o que deveria ser uma prática corriqueira, lamentavelmente ainda é um diferencial. Mesmo lutando por direitos iguais para mulheres e homens e nos propondo a assumir junto as tarefas, como homens ainda desfrutamos de “direitos conquistados”. Segundo a organização Parent in Science, uma acadêmica ao ter um filho demora cerca de quatro anos para voltar ao mesmo nível de produtividade, perdendo espaço para os seus colegas homens. Portanto, é preciso reconhecer que ainda temos privilégios e que são os questionamentos e as cobranças das mulheres que desconstroem o machismo que existe na nossa cultura.
Eu vejo que existem duas causas que devem ser debatidas sobre a exaustão física e psicológica. Uma está relacionada a gênero, que trata da discriminação das mulheres pelos homens, líderes das organizações. Os dados mostram que, mesmo que a maior parte da população brasileira seja mulher, elas ocupam um pequeno percentual de cargos relevantes nas organizações públicas e privadas, que para fazerem o mesmo trabalho dos homens e recebem salários menores etc. Numa situação ainda mais precária estão as mulheres pretas, que são ainda mais discriminadas. A outra causa está relacionada ao sistema de produção que exaure mulheres e homens, que os faz adoecer e sofrer da Síndrome de Burnout (Síndrome do Esgotamento Profissional), entre outras. Quanto mais tecnologia existe no setor, menos valorizado se torna o trabalho humano e mais é exigido de mulheres e homens.
O machismo não é um comportamento só dos homens, mas sim todo o comportamento de quem rejeita a igualdade de condições sociais e direitos entre homens e mulheres. Portanto, existem mulheres machistas, aquelas que quando possuem algum poder, exploram as demais. Existem mulheres exploradas e mulheres exploradoras.
Para finalizar, quero trazer a fala de uma das debatedoras do painel que disse que as mulheres demoraram mais de 50 anos para reclamar que estão trabalhando demais e ganhando de menos. Que bom que estão reclamando! A exaustão também é responsável por boa parte dos conflitos nos relacionamentos entre mulheres e homens. Respeitar os direitos das mulheres e construir relações saudáveis passa por rever este modo de vida exaustivo. Concordo que está mesmo na hora de discutirmos um novo contrato social.
Referência:
- Cuidar uns dos Outros: Um Novo Contrato Social – Minouche Shafik
- Enanpad 2023