No dia 15 de outubro, o Brasil celebra o Dia da Professora e do Professor, uma data que reconhece essa profissão tão importante para o desenvolvimento social, cultural e intelectual do país. Os professores, em tese, deveriam desempenhar um papel fundamental na formação de cidadãos críticos e conscientes. Além disso, essa profissão tem sido historicamente marcada pela predominância de mulheres, especialmente negras.
O Dia do Professor foi instituído em 1947 no estado de São Paulo, por iniciativa do professor Salomão Becker, um professor de filosofia, paulistano e filho de imigrantes do Leste Europeu. A escolha do dia 15 de outubro se deve à criação do Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827, sancionado por Dom Pedro I, que regulamentava o ensino elementar no Brasil. Este decreto implementa as escolas públicas no país e a contratação de professores como servidores. Vale salientar que este decreto, por óbvio pelo contexto histórico, não incluiu neste modelo de educação a população negra, seja escravizada ou liberta, que representava uma parte significativa da população brasileira na época. A exclusão dos negros, indígenas e pobres do sistema educacional formal começa ali e continuou sendo uma realidade grotesca por muito tempo.
Pioneirismo de Antonieta de Barros
A professora Antonieta de Barros foi uma das figuras mais importantes na valorização dos professores no Brasil. Ela foi a primeira mulher negra eleita deputada estadual no país, representando o estado de Santa Catarina, e foi responsável pela instituição oficial do Dia do Professor no seu estado em 1948. Antonieta, além de sua luta pela educação, também defendia o acesso à alfabetização e a valorização da profissão docente, especialmente para as mulheres negras. Sua contribuição, que se iniciou regionalmente, complementa e reforça o reconhecimento da importância dos professores ao nível nacional.
A profissão docente, especialmente nos níveis de educação infantil e ensino fundamental, como já dito, é amplamente dominada por mulheres. Segundo dados do Censo Escolar, mais de 80% são mulheres professoras da educação básica no Brasil. Esse cenário está ligado à visão histórica de que as mulheres têm uma “vocação natural” para o cuidado e a educação das crianças, algo que precisa ser amplamente discutido em favor da desconstrução das masculinidades tóxicas, individualistas e não cuidadoras.
Dentro desta população de mulheres docentes, estima-se que 45% seja constituída por mulheres negras e estas, por consequência da estrutura racista de nossa sociedade, enfrentam desafios adicionais, relacionados ao racismo e à desigualdade de gênero. Elas desempenham um papel central na transmissão de saberes e na luta por uma educação mais inclusiva, muitas vezes à frente de iniciativas que buscam incorporar questões raciais no currículo escolar.
Protagonismo da professora Petronilha
Após diversos períodos políticos do Brasil, onde a população negra sempre esteve em movimento em prol de sua população, somente após a promulgação da Constituição de 1988 o assunto sobre educação inclusiva toma mais força. Mesmo assim, somente em 2003, o Brasil consegue ter a Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas de educação básica. Um dos nomes mais importantes no desenvolvimento dessa lei é a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, relatora da lei no Conselho Nacional de Educação (CNE). A professora Petronilha, porto-alegrense nascida na comunidade negra da Colônia Africana, hoje bairros Bom Fim e Rio Branco, na época era professora da UFSCAR, reside na capital gaúcha. Sua atuação foi crucial para que a lei fosse articulada de maneira eficaz, promovendo a valorização da cultura negra e a luta contra o racismo nas escolas.
A professora Petronilha defende, até os dias de hoje, que a educação deve ser um espaço de transformação social, onde as relações étnico-raciais sejam trabalhadas de forma integrada ao currículo escolar, desde a educação infantil até o ensino superior. Sua atuação continua a ser uma referência na formação de professores para lidar com questões étnico-raciais de maneira mais aprofundada e inclusiva.
Em 2008, a Lei 11.645 foi sancionada, ampliando a obrigatoriedade do ensino das relações étnico-raciais para incluir também a História e Cultura Indígena no currículo escolar. Com isso, passou a ser exigido que as escolas de educação básica incorporassem não só as contribuições da população negra, mas também a história e cultura dos povos indígenas brasileiros. Essa mudança foi fundamental para incluir uma visão mais abrangente e plural da formação da sociedade brasileira, reconhecendo a importância das culturas indígenas e afrodescendentes na construção do país. A Lei 11.645/2008 visa combater a invisibilização e os estereótipos sobre a população indígena e afro-brasileira, promovendo uma educação que respeite e valorize a diversidade cultural.
Mas a implementação destas leis ainda enfrenta muitos obstáculos. A falta de formação adequada para os professores, o racismo estrutural, institucional das escolas privadas ou das redes de ensino público, com a falácia sobre a escassez de materiais pedagógicos apropriados, são desafios comuns, tanto nas escolas públicas quanto nas privadas. A figura da professora Petronilha é essencial nesse contexto, pois ela, aos 82 anos de lucidez, continua a advogar pela efetiva implementação da lei e pela inclusão de temas raciais no currículo escolar, motivando mais e mais professoras e professores, principalmente as negras e negros, a atuar politicamente para que o Ensino das Relações Étnico-Raciais (ERER) esteja para além de eventuais ou datados temas, mas no cotidiano das atividades dos discentes.
Consciência dos educadores é essencial
Para tal, a conscientização social precisa despertar para que o ensino das relações étnico-raciais deva começar na educação infantil e seguir até o ensino superior, pois é essencial que as crianças aprendam desde cedo sobre a importância da diversidade e da valorização das culturas afro-brasileira e africana e, no ensino superior, é necessário formar educadoras e educadores conscientes da importância dessas questões para que possam aplicá-las de maneira transformadora em suas práticas pedagógicas nos demais níveis de escolaridade.
A valorização dos professores no Brasil passa pelo reconhecimento de suas contribuições históricas e sociais, especialmente no que diz respeito às mulheres negras, como Antonieta de Barros e Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, que são exemplos de resistência e luta por uma educação inclusiva e transformadora, que pensa toda a população brasileira e não somente um grupo em especial.
O ensino das relações étnico-raciais, garantido pela Lei 10.639/2003, que depois inclui a história e cultura indígena na Lei 11645/2008, é um marco fundamental na construção de uma sociedade mais igualitária e plural, que inclusive reconhece e valoriza a contribuição não somente dos povos, mas dessas educadoras e ativistas, reafirmando a importância de uma educação que promova a diversidade e combata o racismo no Brasil. Uma chaga que propicia os números tenebrosos de desigualdade que enfrentamos.
Para isso, devemos nos juntar à luta destas mulheres e questionar por onde passarmos o quanto desta Lei, que ultrapassou os 20 anos, não está sendo cumprida e nos somarmos à luta antirracista.
Nina Fola, mãe de Aretha e Malyck, é multiartista, socióloga, atuante nos coletivos @afroentes, @coletivoatinuke e @odaba.br. Aborda a questão de raça e gênero em todos os seus trabalhos acadêmicos, artísticos e profissionais. Gestora do @cavalodeideias, uma consultoria em diversidade e inclusão onde faz palestras e formações. (@ninafola)
Foto da Capa: Montagem com fotos da UFPR (Petronilha) e Portal Paulinas (Antonieta)
Todos os textos dos membros da Odabá estão AQUI.