Violência… semana passada escrevi sobre a força da representatividade utilizando minha história de vida e sentimentos de poder ver uma princesa da Disney, a Ariel negra de 2023. Mas também tive que refletir sobre a violência simbólica ao qual o racismo estrutural impacta a nós mulheres negras, desde a tenra idade.
Esta semana quero refletir com vocês que estão seguindo esta trilha de pensamento pela diversidade, equidade e inclusão comigo por aqui de maneira mais ampla, incluindo além da minha perspectiva, as interseccionalidades e o que analiso sobre as violências políticas que ocorrem contra as mulheres negras e mulheres trans.
Primeiro, antes de trazer elementos mais teóricos, eu gostaria de perguntar: Você conhece Érika Hilton? Bene Brioly? Robeyoncel.ima? Thabata Pimenta? Duda Salabert? São mulheres expoentes na política de seus estados e que tem sofrido ameaças de morte tendo que ter proteção para preservação de suas vidas por estarem em campanha política pleiteando cargos nas assembleias legislativas e na Câmara Federal. Todas elas mulheres e mulheres trans sendo cerceadas no exercício de seus direitos à cidadania.
Em uma eleição que irá marcar a história política do Brasil, tenho visto a disputa da narrativa entre Lula e Bolsonaro, porém a formação de novas bancadas está em plena disputa como a do Quilombo nos parlamentos e da primeira bancada trans na política brasileira.
Trago aqui trecho importante de matéria da Revista Piaí: “Apesar da força que essas candidaturas representam para a diversidade do país, todas elas carregam cicatrizes da violência.” “Tenho feito a minha campanha com colete à prova de balas, carro blindado e escolta armada”, diz Salabert. No início de agosto, logo quando tornou pública a decisão de se candidatar à Câmara dos Deputados, ela recebeu o seguinte e-mail: “Perder seu emprego foi só um passo. Da próxima vez, você vai perder a sua vida. De SP para MG é só um passo. Quer ser um mártir dos travecos, então beleza, aberração. Posso deixar você mais feio do que já é hoje, apenas preciso de um bastão de aço e de um maçarico. A fúria de Deus vai cair sobre você, aguarde.” A pessoa encerrou a mensagem com uma assinatura típica dos chamados grupos de extrema-direita, associados ao neonazismo e a supremacistas brancos, pregando violência contra homossexuais, negros, mulheres e judeus.
Por abjetas que sejam, mensagens assim não são novidade na vida política de Salabert. Em fevereiro de 2020, poucas semanas após tomar posse como vereadora, ela foi demitida do colégio privado na capital mineira onde lecionava português e literatura. Alguns diretores do colégio receberam cartas dizendo que se ela não fosse desligada haveria um “banho de sangue” na escola. As ameaças estão sendo investigadas pela Delegacia Especializada de Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas. Vegana e muito ligada ao meio ambiente, Salabert fala de pautas para além da comunidade LGBTQIA+. “Mas isso não é importante. A nossa simples existência incomoda quem odeia a diversidade.”
Erika Hilton, de 29 anos, também tem feito campanha escoltada por seguranças. “Eu já perdi a conta de quantos boletins de ocorrência registrei em razão de ameaças e ataques recebidos”, diz. Logo quando tomou posse na Câmara de São Paulo, um homem tentou invadir o seu gabinete – ele só saiu de lá após a chegada da guarda. Ao contrário do que pode sugerir, o cargo eletivo e sua consequente projeção social não garantem proteção alguma. “Me sinto mais insegura hoje tendo sido eleita vereadora e agora em disputa a uma vaga ao Congresso do que nos tempos em que precisei trabalhar nas ruas.”
Após ser expulsa de casa em razão do fundamentalismo religioso de sua mãe, devota da Congregação Cristã no Brasil, Erika Hilton se viu com uma única alternativa para poder sobreviver: a prostituição. “Estava nas esquinas da vida e entrando em carros de estranhos, em situação de extrema vulnerabilidade, mesmo assim hoje eu me sinto em maior risco”, diz. Hilton voltou para a casa de sua mãe pouco tempo depois, ao final da adolescência, e as duas são muito próximas.
Robeyoncé Lima, de 33 anos, formada em geografia e direito pela Universidade Federal de Pernambuco, nunca estudou em uma mesma sala com outras alunas travestis. Também foi a primeira trans a ser aprovada pela Ordem dos Advogados do Brasil de seu estado – mas entende que esse pioneirismo todo só expõe o atraso do país em políticas afirmativas. “Precisamos pensar em políticas públicas consistentes para que possamos ocupar todos os espaços da sociedade”, diz Lima. “Nesta eleição, as chances reais de vitória de mais de uma travesti e mulher trans vão fazer com que criemos a bancada das deputravas.”
Partidos de colorações políticas variadas, como PSB, MDB, PSDB, União Brasil, Rede, PT e Psol, lançaram candidaturas de pessoas trans este ano. “Precisamos destacar que muitos partidos que ignoram a nossa existência ao longo da história e nem se importam com a diversidade de forma geral agora querem fazer marketing em cima de nossos corpos”, diz Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra, sargento da Marinha e coordenadora do pré-vestibular social Prepara Nem, de Niterói. Hilton reforça: “Muitos partidos lançam as candidaturas trans para fazer ‘marketing da diversidade’, mas não dão espaço e verba para as candidaturas decolarem”.
A campanha de Hilton já percorreu até o momento 56 cidades paulistas. Ela tem sido acompanhada por uma equipe do jornal britânico The Guardian, que está fazendo um documentário sobre a candidatura de uma travesti no país governado por um presidente que assumidamente odeia a população LGBTQIA+, Jair Bolsonaro. Hilton também foi personagem do documentário Corpolítica, dirigido pelo jornalista e ator Pedro Henrique França e produzido por Marcos Pigossi, que estreia no país pelo Festival Internacional de Cinema de Brasília, nos dias 26 e 27 de setembro. “Um dia a nossa presença na política será natural e não sofreremos violência, então esses filmes serão um documento histórico de algo que ficou no passado.”
Uso este meu espaço para que nesta reta final a gente possa, como diz o slogan da Piauí, ‘ter um parafuso a mais para entender este contexto’, e escolhermos novas bancadas que nos ajudem a construir futuros mais inclusivos e regenerativos. Esta violência extremista junto a cidadãs trans se dá pelo preconceito enraizado por parte de outros cidadãos de bem. Nestas eleições a violência política é um tema sério, grave e que amedronta boa parte da população. A violência que as atravessa me atravessa de outro lugar, mas ataca nossas humanidades. Érika, eu não moro em SP, mas gostaria de votar em você, deusa preta interseccional.
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