Apesar de nascerem mais meninos do que meninas, na média, eles vivem menos do que nós, mulheres, para tristeza masculina. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE de 2020 revelaram que a expectativa de vida no Brasil era de 73,3 para homens e de 80,3 anos para mulheres.
Esse mesmo padrão não só é observado em todo o país, como em todas as regiões do mundo, como pode verificar no quadro abaixo, conforme dados da Organização Mundial da Saúde – OMS.
Muita coisa envolvida
Para explicar os motivos pelos quais os homens, em média, vivem menos tempo do que as mulheres, é necessário olhar de maneira multifatorial a questão. Como você verá, os homens começam a morrer em maior número do que as mulheres muito cedo. Dessa maneira, quando é chegada a velhice, encontraremos uma população do sexo masculino menor e com menor expectativa de vida frente a do sexo feminino porque, ao longo da vida, diversos fatores se fizeram presentes.
Na juventude, a Neurociência explica
Biologicamente há como explicar em parte essa diferença que vai aparecer lá na frente. O lobo frontal é a parte que fica mais ou menos na região da testa, e é responsável, por exemplo, pela impulsividade e o julgamento de uma determinada situação. Ele integra as estratégias de comportamento com as consequências que elas terão. Então, se eu acelerar o carro a 200km/h à noite, entre as consequências possíveis estão levar uma multa e me acidentar gravemente. Mas também pode me colocar como a pessoa mais corajosa entre a turma. Porém, o cérebro no geral amadurece em torno dos 25 anos, e a região do lobo frontal amadurece mais lentamente nos homens do que nas mulheres. Por isso, homens jovens tem uma tendência de analisar menos as consequências do que as mulheres. Isso pode se refletir em escolhas menos saudáveis nesse período da vida, como o de beber álcool e o início do hábito de fumar, ou por se colocar em risco no trânsito, por exemplo.
Os dados estão aí…
Em decorrência do trânsito brasileiro, os dados referentes a 2021 foram consolidados pelo Ministério da Saúde, e mostram que morreram 33.813 pessoas. A faixa etária mais vulnerável está entre 20 e 59 anos, com predominância de pessoas do sexo masculino.
Em relação às mortes violentas intencionais no país, conforme o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. – FBSP, em 2022, tivemos 47.508 mortos, 91,4% vitimaram homens, enquanto 8,6%, mulheres, 50,3% entre os 12 e 29 anos. Já em relação a óbitos em intervenções policiais, 99,2% das vítimas eram do sexo masculino e 75% entre os 12 e 29 anos. Não entrarei aqui, pois não é foco do artigo, nas questões de raça e classe, pois em especial com relação a violência, o alvo preferencial é o jovem negro e pobre.
Isso é coisa de menino
Nessa questão temos que considerar as questões de gênero, pois na nossa sociedade – no geral conservadora – desde muito cedo educamos nossos filhos para brincarem de carro e arminha e as filhas de boneca e casinha. Assim, essa tendência a maior agressividade e as atividades de risco também são potencializadas nessa construção. Não à toa, existem as profissões ditas “masculinas”, nas forças de segurança, construção civil, motoristas, que também oferecem maior ameaça à vida.
Mulheres x Homens, reflexos na saúde
Dados mostram que os homens possuem uma tendência muito maior de negligenciar a rotina de cuidados com a saúde do que as mulheres, realizando menos exames médicos preventivos, por exemplo. Isso é um dos fatores que pode explicar o maior índice de mortes cardiovasculares entre homens do que entre mulheres. Homens tem 50% mais probabilidade de óbito por doença cardíaca do que mulheres. Outro fator que protege as mulheres é o nível de estrogênio, hormônio que tem efeito cardioprotetor, mas que diminui após a menopausa.
Assunto de mulher
Outra questão que desfavorece os homens é a saúde mental. Apesar dos dados demonstrarem que mulheres possuem maior prevalência de depressão, os homens acabam tendo maiores taxas de suicídio. Para explicar isso, podemos lançar mão das questões de construção de gênero quando sabemos que homens “são educados para não chorar”, que constroem suas vidas ao redor da profissão e saindo com amigos para beber e tratar sobre qualquer assunto, mas deus me livre, falar sobre emoções! Deixa isso pra mulheres!
E, veja só, como as conexões sociais de boa qualidade, conforme o estudo longitudinal da Universidade Harvard, é apontado como o fator principal para longevidade saudável, compreendemos que por mais este aspecto os homens se saem prejudicados, pois eles tendem a ter menos conexões sociais, em especial se tratando das mais profundas e próximas. Conforme estudos, pessoas menos conectadas socialmente tem maiores taxas de óbito.
E na velhice?
Como sociedade ainda estamos longe de atingir a igualdade de gênero e, na velhice, algumas diferenças específicas se manifestam mais fortes. Homens tendem a cuidar menos da saúde física e mental, como abordado acima, enquanto mulheres sofrem com pelo menos uma dupla discriminação.
O outro lado da moeda
Um artigo científico*, publicado em 2021 e realizado em 18 países, concluiu que as sociedades ainda proporcionam mais vantagens aos homens durante a velhice. Nele, os pesquisadores descobriram que mesmo nesses países, homens têm mais chances de conseguir segurança financeira e um trabalho remunerado durante a velhice, assim como de passar um número menor de anos com a saúde debilitada.
Embora as mulheres tenham uma expectativa de vida maior do que os homens, elas sofrem com doenças por períodos mais longos e também estão mais sujeitas a sofrer com casos de Alzheimer e demência. Também têm menos reservas financeiras e estão mais sujeitas a viverem sozinhas no fim da vida. Tudo isso aponta para uma maior precariedade do envelhecimento feminino.
A desigualdade ao longo da vida desemboca na velhice feminina
A desigualdade de gênero com relação a situação financeira na velhice é uma consequência das dificuldades que mulheres enfrentam ao longo de toda a vida. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE mostram que mulheres estão menos empregadas e ocupam menos cargos de liderança no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, são as principais responsáveis pelos cuidados com filhos e familiares, muitas vezes de forma independente – isto é, são mães solo.
As mulheres também gastam mais tempo cuidando da casa, o que provoca – entre outras coisas – maior cansaço e impacto na renda. Além disso, estão sujeitas a menor remuneração. Em 2019, as mulheres receberam, em média, 77,7% do montante auferido pelos homens.
Como as mulheres têm menos oportunidades ao longo da vida e são as principais responsáveis pelos cuidados com a casa e os filhos, estão em desvantagem no futuro no que diz respeito à segurança financeira.
Quantas camadas cada um carrega?
Estudos sobre igualdade de gênero mostram, ainda, que elas sofrem com o duplo preconceito, o idadismo, por conta da idade, e o sexismo, por serem mulheres. Homens também sofrerão por conta do idadismo, mas estudos demonstram que isso ocorrerá de maneira menos acentuada e quando forem mais envelhecidos.
Sobre essas camadas acima acrescente-se a cada pessoa, homem ou mulher, outros estereótipos, preconceitos e discriminações, que poderá fazer cada velhice mais ou menos difícil de ser carregada: racismo, capacitismo, aporofobia, lgbtfobia, xenofobia etc.
Afinal, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come?
Aqui, apresentei dados estatísticos, números médios, estudos e pesquisas. Para que isso nos serve? Imagino que para servir como fonte de informação e mobilizar à ação.
Fica claro que é preciso investir em políticas públicas, campanhas de comunicação, engajamento e programas da sociedade civil com relação a equidade de gênero. Tanto com relação as dificuldades enfrentadas pelos homens quanto as enfrentadas pelas mulheres, percebe-se que a desigualdade é nociva e que uma educação pautada pela equidade de gênero é central para que homens e mulheres possam atingir vidas longas, dignas, com qualidade e bem-estar.
Fica a dica (sem jabá)
Aos homens e mulheres que quiserem saber um pouco mais a respeito de longevidade saudável, foi lançado em 30 de agosto o documentário “Como Viver até os 100: Os Segredos das Zonas Azuis”, uma produção do explorador, escritor e palestrante motivacional Dan Buettner, que começou em 2010 um projeto para descobrir o “segredo da vida longa”. Na Netflix.
*Estudo científico publicado em 2021 por pesquisadores da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, em parceria com pesquisadores de Cingapura, feito em 18 países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual o Brasil não faz parte. A maioria das nações integrantes da OCDE são desenvolvidas.
Foto da Capa: Freepik
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