Conhecemo-nos na fila de autógrafos e foi esse o nosso tácito ponto de convergência por décadas. O Henrique Gutfreind estava lá pelo filho, eu pelo amigo. Tornamo-nos amigos também, em torno do filho e do afeto. Passei a encontrá-lo em outras ocasiões, mas as filas do Celso passaram a ser uma espécie de clube, de confraria.
Independente de profissão de fé ou de sua inexistência, estávamos ali sob um preceito algo litúrgico, a certeza da importância do “honrarás pai e mãe”. Talvez alguém entenda como exagero, mas o poeta, à medida que capta, registra, reescreve, salienta, não faz mais do que dar valor à ascendência e garantir sobrevivência, perenidade. Henrique e eu assumimos esse papel, guardiões da fila. Felizmente, nunca foi preciso maquiar a quantidade de público, o autor sempre se garantiu.
Chegou a hora de pintar uma saudade. E a saudade é azul. No momento em que o Grêmio festeja um ciclo de vitórias que rendeu o Hepta, dois amigos juntam poesia e imagens para registrar o abandono do palco monumental de uma história de paixões. O Estádio Olímpico jaz abandonado, num processo de deterioração que fere lembranças e qualquer lógica econômica. O sonho azul de gerações aguarda a inevitável e lenta transformação em poeira cinza.
Poema Azul, Memórias do Estádio Olímpico, com poemas de Celso Gutfreind e fotografias de Luiz Eduardo Robinson Achutti. Edição conjunta das editoras Casa Verde e Bestiário, com lançamento em 26 de abril, sexta-feira, às 19h, no Bar Ocidente em Porto Alegre. A obra promete resgatar memórias e explicar um fenômeno que é a construção de uma identidade em torno de uma bandeira, de uma torcida. No caso, o poema é azul, mas o que seria do azul se não houvesse também outras cores… Aquela em especial.
Há quem afirme que o ritual em torno de um time aplaca e sublima a violência inata. Talvez em parte. Mas a preferência por uma cor, passada de geração em geração, revela uma identificação de afinidades, de ideias ou apenas a atávica necessidade de seguir de mãos dadas, em segurança, um caminho que iniciou pelo exemplo.
Pretendo estar lá, cumprindo o acordo com o Henrique. Sentirei sua presença comigo, como sempre. O orgulho será redobrado. O abraço ao Celso é parte do ritual. E dessa vez, também ao Luiz Eduardo, filho da prima Valderês. Estaremos em família. Olímpico será o encontro promovido pelos dois titãs.
Na fila, com o azul onde o azul estiver. O azul do Celso, do Luiz Eduardo, do Henrique e do meu pai.
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Foto da Capa: Portal Gremista