Resultado das repercussões das exposições internacionais do final do século XIX, das novidades transmitidas por revistas estrangeiras, do intenso comércio e das viagens de brasileiros à Europa e de estrangeiros ao Brasil, difundiu-se neste país, um estilo que fechou aquele século na cultura europeia, considerado por alguns, o “verdadeiro estilo do século”, reação antiacadêmica, no processo desencadeado pela Revolução Industrial iniciada no século XVIII.
De caráter internacional, o estilo Arte Nova, adquiriu características distintas nas regiões por onde se desenvolveu, fruto da diversidade de escolas e das interpretações apresentadas pelos seus arquitetos. Foi chamado na Bélgica, onde nasceu, e na França, para onde rumou, de Art Nouveau. Este estilo recebeu denominações variadas no continente europeu, e com elas espalhou-se pelo mundo. Na Escócia, é a Escola de Glasgow; na Alemanha, Jugendstil ou Sezesion; na Áustria e nos países nórdicos, também Sezesion; na Itália, Liberty ou Floreale. Na Península Ibérica, Espanha e Portugal, foi designado respectivamente por Modernismo e Arte Nova. No Brasil é chamado de Art Nouveau, pela influência francesa, mas o termo mais adequado seria Arte Nova.
Quando estudou a Arte Nova no Brasil, Flávio Motta afirmou se tratar de mais uma “civilização transplantada” (1957, p. 7), como os revivalismos (normas e inspirações emprestadas de outras épocas) que o antecederam e que fazia com que, na América Latina, as pessoas se sentissem como se estivessem na Europa. Assim, se espraiou, do México ao Rio da Prata. No Brasil, apareceu nas principais cidades, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, etc.
A diversificação da base econômica, anteriormente pautada basicamente na atividade pecuária, possibilitou a expansão da agricultura, da indústria e do comércio. Beneficiada pela conjuntura política e econômica, Porto Alegre encontrou o contexto favorável para o surgimento das arquiteturas eclética-historicista e Arte Nova.
Em Porto Alegre, foram identificados sete imóveis, situados na região central ou próximos a ela, merecedores da atenção dos interessados pela arquitetura. Aqui serão apresentados na forma de um roteiro para propiciar um agradável passeio ao leitor.
Na Rua dos Andradas, nº 814, há um sobrado com três pavimentos, da primeira década do século XX. Lamentavelmente, como ocorreu ao longo do século, o pavimento térreo foi totalmente descaracterizado para atender às atividades comerciais. Apesar disso, a edificação se destaca pela composição da fachada, que valoriza o piso intermediário. É nele que se encontram os elementos decorativos que caracterizam o estilo (motivos fitomórficos e antropomórfico, culminando em uma cabeça feminina centralizada). Estes elementos envolvem o conjunto constituído pelas aberturas (janelas que ladeiam a janela rasgada que dá acesso ao balcão metálico), explorando as linhas curvilíneas nas esquadrias de madeira e na sacada.
Na mesma Rua dos Andradas, nº 1035, encontra-se atualmente o Banco Safra. Na década de 1970, preservacionistas sensibilizaram os proprietários para manter as fachadas de duas edificações demolidas. Uma delas, a da direita, foi projetada no estilo Arte Nova pelo italiano Francisco Tomatis, em 1907, na reforma da residência de Antônio Chaves Barcelos, que viria a ser a Casa Pavão e posteriormente, a Farmácia Carvalho. São três pavimentos como no exemplar anterior, numa composição simétrica, em que novamente o pavimento intermediário é o centro, possuindo um volume que avança em relação ao plano da fachada. Nele, três colunas lembrando hastes de vegetais, sustentam o balcão do pavimento superior. Nos três pavimentos e na platibanda, é encontrada uma profusa decoração fitomórfica. Na platibanda salienta-se, em relevo, a figura de um pavão.
Importante perceber que nestes dois primeiros exemplares citados, a composição se assemelha, o que permite especular a possibilidade de Tomatis ser o autor de ambos.
O terceiro prédio da lista encontra-se na esquina da Rua dos Andradas com a Rua General Câmara. No local, instalou-se, em 1879, a filial da Livraria Americana (fundada em Pelotas, em 1871, por Carlos Thomas Pinto), permanecendo no local até 1917, quando ergueu prédio próprio. Em 1904, o imóvel existente foi demolido para dar lugar ao atual, projetado em 1906 pelo já citado Francisco Tomatis. A edificação de quatro pavimentos, de esquina, é arrematada por uma cimalha decorada com dezenas de girassóis fechados. A fachada da esquina é a principal, chanfrada, solução bastante usual naquele tempo. O coroamento dela possui um frontão curvilíneo, com motivos florais, e abriga ao centro as letras iniciais do nome do então proprietário, encimado por um girassol aberto. As paredes do imóvel, nas suas três faces, possuem decoração fitomórfica, especialmente entre as janelas, onde vê-se vasos com trepadeiras, e sobre estas aberturas, outros motivos florais foram utilizados. A porta, de acesso ao edifício, na Rua General Câmara, nº 318, também merece atenção, apesar da evidente falta de cuidados. Nela, formas curvilíneas valorizam o centro da composição, definido por rosas esculpidas na madeira.
Na Rua Doutor Flores, nº 59, entre a Avenida Otávio Rocha e a Rua Voluntários da Pátria, há um sobrado de três pavimentos que outrora abrigou a Drogaria Everdosa, depois o Bazar J. H. Santos, e atualmente uma filial da Lojas Colombo. Aqui também o pavimento térreo sofreu descaracterizações para “adequar” às atividades comerciais. Destaca-se a predominância dos vazios (aberturas) em relação aos cheios (paredes) nos pavimentos superiores. Um avanço na direção da modernidade. No piso intermediário, merece menção a decoração em metal nas aberturas. No pavimento superior, a decoração das sacadas e as existentes acima das aberturas, se assemelham às soluções utilizadas nos exemplares anteriores, inclusive com a temática dos girassóis, permitindo especular mais uma vez a hipótese de terem um único autor. A edificação é coroada por uma platibanda metálica com motivos florais.
Para Porto Alegre, a Confeitaria Rocco, do italiano Nicolau Rocco, guardada as devidas proporções, significou para a cidade aquilo que foram as confeitarias Del Molino, para Buenos Aires, e Colombo, para o Rio de Janeiro. Situada na Rua Riachuelo, nºs 1626 e 1638, esquina Rua Doutor Flores, a Rocco foi concebida pelo italiano Salvador Lambertini, em 1910. Com a sua morte, coube a Manoel Itaqui (1876-1945) construir o edifício de três pavimentos, concluído em 1913.
Aqui a solução também explorou o chanfro na esquina para caracterizar a fachada principal. Nela, uma porta em arco pleno, ladeada por atlantes – que carregam “frutos da terra envoltos num manto, como numa cesta improvisada” (ALVES, 2022, P. 268) -, na forma de estípites barrocas, sustentam o balcão corrido existente no pavimento intermediário e dão a impressão de também sustentarem as colunas colossais que destacam esta fachada, cujos capiteis são cabeças de leões. Giuseppe Gaudenzi realizou o conjunto escultórico. Sobre a porta, motivos fitomórficos (espigas de trigo) e zoomórficos (colmeia de abelhas), contribuem para enfatizar o uso original do prédio. No piso superior, há um balcão de púlpito. No coroamento, destaca-se uma figura feminina, sob um pedestal, ladeada por dois meninos, que com uma das mãos, seguram uma guirlanda de flores e com a outra brindam. Este conjunto foi realizado pelo escultor Frederico Pellarin. Nas fachadas laterais, no térreo, cortinas de ferro protegem as grandes superfícies envidraçadas das vitrines, e, sobre elas, aparece o nome da confeitaria, ladeado por atlantes. No primeiro piso, balcões corridos envolvem as fachadas. No andar superior, também predominam estes balcões, com a diferença de que dois balcões de púlpito se harmonizam com o da fachada chanfrada.
Voltado para a Praça Argentina, compondo com o Chateau e com o Castelinho, ao lado da antiga sede da Escola de Engenharia, da qual era um anexo, encontra-se o edifício que abrigou o Instituto Astronômico e Meteorológico, que em 1930, passou a ser denominado de Instituto Coussirat Araújo, hoje conhecido como Observatório Astronômico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1906-1908). O projeto é de autoria do engenheiro arquiteto Manoel Itaqui. Foi construído pela empresa Andrighetto & Paganini.
A edificação possuía além de três pavimentos e sorteias, duas torres. Uma para alojar a Equatorial, protegida por uma cúpula giratória, e a outra para a Meridiana que, por imposições funcionais, localizava-se debaixo de uma cobertura móvel. Frontalmente, aparenta ser um volume único vertical, com uma cúpula na parte superior, ao fundo, rompendo com a absoluta simetria. Em toda a fachada principal aparece rusticados nas alvenarias. São mais notórios no térreo, tornando-se mais sutis nos dois pavimentos que caracterizam o plano nobre e aparecem também no coroamento, definido na sua fachada principal por um frontão se antecipando a uma platibanda ornamentada. Revela-se então a composição volumétrica tripartida. Vista lateralmente, percebe-se um volume fronteiro mais baixo. Na parte posterior, no topo do prédio, está a cúpula citada.
No nível do acesso, o pórtico de entrada apresenta elementos florais que emolduram a porta. Esta, possui na sua bandeira (parte superior fixa), formas curvilíneas nos caixilhos. No segundo piso, as duas janelas exploram também as formas curvilíneas e estão emolduradas por motivos fitomórficos. No terceiro piso três janelas com formas curvilíneas, são também envoltas por motivos lineares e fitomórficos, porém em menor profusão, garantindo o equilíbrio da fachada, uma vez que logo acima da janela central, na ornamentação, fincam-se, de imediato, raízes de uma vegetação que emoldura um nicho, no frontão logo acima, no qual abriga-se uma estátua de Urânia (filha de Júpiter, representando a astronomia), escultura atribuída a Frederico Pellarin (DOBERSTEIN, 2002, p. 46 e 67). Na fachada lateral, no segundo piso do volume fronteiro mais baixo, tanto a abertura quanto a decoração que a envolve, procuram se harmonizar com a da fachada principal. No mesmo piso, no volume recuado, duas janelas com vergas curvilíneas, cujos caixilhos também exploram estas formas possuem numa espécie de tímpanos, figuras de pelicanos. No terceiro piso, as janelas também possuem formas curvilíneas para se harmonizar com o conjunto. O destaque neste pavimento fica por conta da ornamentação floral que marca a existência de sacada lateral na sala situada atrás do frontão da fachada principal e a platibanda do volume posterior (o mais alto).,
A Casa Godoy (1904-1907) foi concebida pelo arquiteto alemão Otto Herrmann Menchen, à época, no número 88 da Rua da Independência, hoje Avenida Independência, nº 456, no Bairro Independência, para o comerciante Arno Bastian Meyer. Naquela época, o logradouro passava a receber representantes da nova ordem burguesa em ascensão. Meyer viveu na casa pouco mais de uma década. Alugou-a para o italiano Januário Greco, que nela viveu com sua família, de 1917 a 1925. No ano seguinte, Meyer vendeu a residência para Francisco Tscheidel, também comerciante, que realizou algumas reformas, período no qual a casa recebeu as pinturas murais de Ferdinand Schlatter. A família Godoy adquiriu a casa, em 1939. No térreo, o psiquiatra Jacintho Saint Pastous Godoy (1886-1959) instalou seu consultório, que funcionou de 1939-1959. Dentre as suas atividades profissionais, Jacintho dirigiu o Hospital Psiquiátrico São Pedro. O imóvel foi tombado pelo município, em 26 de novembro de 1996, que o adquiriu da família, e desde 1998, é destinado à Coordenação da Memória Cultural.
A fachada da casa está no alinhamento do terreno. É assimétrica e bipartida. Isto a diferencia dos demais exemplares. No nível da calçada, uma barra horizontal com pouco mais de um metro, protege a edificação e a eleva do solo. Acima dela, destacam-se as duas partes da fachada. O lado esquerdo é mais baixo. Nele se encontra a porta de acesso à casa. envolvida em um pórtico que faz a alusão a uma cortina entreaberta. Ao lado desta portada, há uma janela gradeada com linhas curvilíneas e motivos florais, que ilumina o acesso ao porão alto. Sobre a portada há, no nível do pavimento superior, uma janela com vitrais, que ilumina a escadaria de acesso a este plano nobre. Ao lado desta janela, há outra, também com vitrais, que ilumina o pequeno ambiente que antecede a sala fronteira, utilizada como gabinete de estudos pelo Dr. Jacintho. Neste conjunto do lado esquerdo, um frontão define o coroamento.
No lado direito, percebe-se que a fachada avança levemente e que é mais alta pela existência do sótão que abrigava empregados. No nível do térreo, três janelas completam a série de aberturas que iluminam a parte fronteira do porão alto. Todas elas gradeadas com linhas curvas e com motivos florais, compondo com a abertura do lado esquerdo. Uma segunda barra separa as aberturas do porão alto das situadas no segundo piso, dos dois lados. Superfícies com ornamentos em relevo, com motivos assemelhados aos gradis das janelas, formam esta segunda barra. No plano nobre, uma bay-window (ou bow-window), ilumina o gabinete de estudos do Dr. Jacintho. Deste lado direito da fachada, uma terceira barra, com os mesmos motivos da existente entre o térreo e o segundo piso, separa este último do sótão, dando forma à sacada nele existente, cuja janela rasgada compõe com a bay-window do segundo piso. As aberturas e a sacada fazem parte do frontão que envolve o sótão e domina o conjunto. No seu coroamento, destaca-se a figura de uma ave.
Apesar de possuir menos de uma dezena de obras significativas, Porto Alegre é sim uma referência importante quando se fala da Arquitetura Arte Nova no âmbito nacional. Uma das obras é monumento nacional, o Observatório Astronômico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Aqui, com exceção da Casa Godoy, predominou a simetria na composição das fachadas. Pelo exposto, fica também evidente que os representantes do estilo, na cidade, filiam-se especialmente às vertentes francesa e belga no que diz respeito aos motivos decorativos utilizados. Importante destacar, finalmente que, se na Europa, significou avanços do ponto de vista da tecnologia, com o uso dos novos materiais, permitindo novas soluções plásticas e espaciais, aqui, praticamente ficou restrito à substituição de linguagens para decorar as fachadas e interiores das edificações.
NOTAS:
DOBERSTEIN, Arnoldo Walter. Estatuária, Catolicismo e Gauchismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, Coleção História – 47, 2002.
ALVES, José Francisco. A escultura pública de Porto Alegre: obra comemorativa – Porto Alegre 250 anos. Porto Alegre: Ponto Arte, 2022.
MOTTA, Flávio. Contribuição ao estudo do “Art Nouveau” no Brasil. São Paulo, FAU-USP, 1957.