“Nós vamos sorrir! Sorriam!”
A maravilhosa provocação de Eunice Paiva no filme “Ainda estou aqui”, direção de Walter Salles, que ganhou o mundo, é instigante. E digo instigante porque mostra uma família que enfrentou a barbárie e a crueldade da ditadura no Brasil com firmeza, elegância, sempre em busca da verdade e sem discursos apelativos. Apesar do sofrimento e da falta de notícias de Rubens Paiva, assassinado pelos militares, mãe e filhos resistiam e falavam com o olhar. Inspirado no livro do escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, o filme abre com essa provocação que me emocionou e me estimula a buscar com mais garra e alegria o que acredito. Diante da realidade nada amena que temos hoje, tragédias ambientais irreversíveis, guerras e políticos sem caráter que dominam o mundo, destroem e matam inocentes em nome de um poder corrosivo, ratifico as palavras que me movem nesta travessia – Arte, Acessibilidade, Inclusão, Diversidade e Sustentabilidade.
As cidades precisam do verde e isto só vai acontecer com a arborização. Plantar e cuidar ao invés de derrubar. Mais árvores nas ruas. Mais respeito pela natureza. Só o verde em abundância vai reduzir a carga térmica que invade o meio ambiente e nos adoece. As cidades precisam também escoar a água das chuvas, o que só vai acontecer com o uso correto do asfalto. A terra precisa assimilar a água que o concreto das ruas colado nas calçadas não possibilita.
Mas “quem decide os rumos das coisas está imerso em ambientes com ar-condicionado. Bolhas de quem não sente na pele o que é pegar um coletivo lotado na hora do pico. Infelizmente, aqueles que deveriam se preocupar em governar bem precisam se dar conta de que as temperaturas tendem a subir. Isso é caso de saúde pública. Todo mundo deveria repensar sua forma de viver, de construir, de estar nesse planeta cada vez mais quente”, escreveu Silvia Marcuzzo aqui na Sler, em 21 de fevereiro deste ano. Recomendo a leitura!
Precisamos mudar nossos hábitos. Se o desmatamento da Amazônia continuar desenfreado, acabamos. Preservar as florestas, o verde, é preservar vidas. O calor extremo exige muito cuidado. Proteger os trabalhadores, assim como as crianças, pessoas mais velhas, pessoas vulneráveis, de saúde frágil e por aí afora. O que estamos sentindo neste fevereiro tórrido em Porto Alegre é mais do que um alerta. Já disse e repito: todos os sinais já foram dados! Quem viu? Quem se importa? É preciso também reconhecer e valorizar os talentos que estão na nossa capital e nas nossas universidades, que já falaram e mostraram conhecimento sobre os temas que nos preocupam.
Acontece que os governos preferem ignorar o que temos e buscar soluções fora do país. Resquícios da colonização?
Recomendo a leitura do artigo Nova Carta ao Governador, assinada pelo engenheiro civil e historiador Luiz Antonio T. Grassi, publicada no Sul21 em 26 de fevereiro. “Fico impressionado que os senhores desconheçam a experiência gaúcha, que construiu um sistema de gestão mais adequado do que o holandês”, diz Grassi. Também fico!
Pode ser exagerado o sentimento que toma conta de mim neste momento, mas não dá para negar o que sinto. O panorama que se descortina não é acolhedor. Para completar meu raciocínio, um trecho do comentário de Roberto Rodrigues, amigo jornalista, negro, ao sair do ensaio de uma escola de samba no Rio, acompanhado de dois amigos, também negros, em busca de um táxi na madrugada – “Passaram-se 25 minutos e dezenas de táxis sem passageiro não atendiam nosso aceno. Os motoristas apenas nos olhavam e seguiam, como se não nos vissem. Voltei à quadra da escola e pedi auxílio ao porteiro, branco, que foi ao mesmo ponto e veio com o táxi. Conversando com o motorista, narrei o fato ocorrido. Ele ouviu atentamente em silêncio. Após minha exposição, respondeu: Acontece que dificilmente, neste horário da manhã ou à noite, nós pegamos passageiro negro, nem sozinho e nem acompanhado. Finalizou dizendo: o senhor me parece uma pessoa inteligente e vai entender a nossa preocupação nestes tempos de violência. Estou ainda tentando digerir o fato. Onde está a violência? No medo dos taxistas ou em quem sofre a discriminação racial? Espero que esta luta um dia termine.” E eu pergunto – Até quando vamos suportar tanta discriminação?
No meio dessa turbulência, temos a arte que joga luzes na escuridão, fortalece nossa luta e equilibra nossos voos.
O cinema brasileiro mais uma vez mostra nossa força lá fora e reafirma que não vamos nos calar. Vamos seguir lutando pela saúde do meio ambiente e contra todo tipo de preconceito. Vamos sorrir e celebrar o talento da nossa gente, a lucidez e a força da criação que nos dá asas. Ainda estamos aqui!
Todos os textos de Lelei Teixeira estão AQUI.
Foto da Capa: Divulgação