No dia 5 de agosto, participei da VI Conferência Municipal de Cultura de Novo Hamburgo que teve como tema norteador “Cidade em Movimento: Avanços para uma Política Inclusiva e Integrada”. Foi estimulante fazer parte de um evento que propôs analisar a conjuntura cultural para formular políticas públicas pensando em Diversidade e Acessibilidade. Participaram também do painel Gabriella Meindrad, secretária adjunta da Cultura do Rio Grande do Sul, e Margarete Fagundes Nunes, doutora em Antropologia Social. A seguir um resumo da minha fala.
Entendo por Diversidade Cultural as várias manifestações que caracterizam e diferenciam o fazer dos povos. Cada grupo social tem os seus rituais. E são estes rituais que dão identidade às tribos humanas que ocupam determinados territórios e ali constroem suas vidas e preservam suas histórias através da linguagem, da memória, das tradições, crenças, costumes, modos de agir, enfim. Aprendizados plurais que passam de geração para geração, a partir das trocas e misturas com outras tribos e suas culturas específicas, fazendo a diferença no campo pessoal, social, profissional e político.
Diversidade cultural é o que nos impulsiona a sair das bolhas e não ter medo das diferenças que constituem o vasto universo dos humanos. É o contato com o que nos faz transcender a condição social/econômica, de raça, de cor para abrir a possibilidade de outras relações e novas experiências, olhando para o mundo sem preconceitos. É buscar, efetivamente, políticas públicas inclusivas, que possibilitem que as pessoas se representem com a sua diferença. Não sejam representadas.
“Nada Sobre Nós, Sem Nós”
A declaração de Madri de março de 2002, primeiro documento internacional sobre pessoas com deficiência, traz a frase “Nada sobre Pessoas com Deficiência, Sem as Pessoas com Deficiência” que, em versão simplificada transformou-se no lema “Nada Sobre Nós, Sem Nós”. O que vale para todas as pessoas e todas as singularidades. Mas só a partir de uma educação libertadora, assumida pelo poder público, será possível transformar esta afirmação em realidade e falar de fato em diversidade cultural. Só assim aprenderemos a relativizar o mito da perfeição imposto pelo meio social, assumir nossas imperfeições e abrir portas para a complexidade do existir. Só o convívio com as diferenças vai nos ensinar a lidar com o imponderável. É a curiosidade pelo que é diverso que nos faz impetuosos e criativos na caminhada cotidiana. É a diversidade que nos tira da apatia da normalidade que enquadra, discrimina, limita nosso olhar e nossa liberdade.
Já a Acessibilidade Cultural tem como foco a inclusão, proporcionando que todas as pessoas, independente da sua condição – seja física, intelectual, mental, social, sexual, financeira ou de comportamento, idade, enfim – possam participar ativamente da vida cultural da sua cidade/comunidade, usufruindo das atividades com segurança, respeito e acolhimento.
E aqui diversidade e acessibilidade se fundem porque só seremos diversos se o acesso for para todos
É preciso pensar nas pessoas que têm a mobilidade reduzida, ou que moram em localidades distantes, ou que não têm condições de pagar por um ingresso, por exemplo. O número de pessoas que vive na pobreza hoje no Brasil chega a 23 milhões, subiu de 7,6% em 2020 para 10,8% em 2021, um aumento de quase 43%. São muitas as questões que se movem neste universo. Precisamos lutar contra todo tipo de fome. E aqui vale lembrar a canção do grupo Titãs, “Comida” (1987 / Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto) – “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte / A gente não quer só comida / A gente quer saída / Para qualquer parte”.
Vou me permitir falar um pouco sobre a Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Sancionada em 2015 com base na Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência, significou um grande avanço em muitos aspectos. Foi criada para assegurar o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais, visando inclusão social e cidadania, mas hoje, questionada pelo governo, perdeu o foco. Regredimos porque a política praticada no Planalto Central do país não vê a diversidade, não vê a acessibilidade, não olha para a cultura, não é inclusiva, não respeita direitos. A Lei (nº 13.146, de 6 de julho de 2015) é muito clara nos seus princípios e define como pessoa com deficiência “Aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, e que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Mas quem efetivamente conhece os princípios desta lei que garante direitos para mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, segundo dados levantados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019? Estamos falando de quase 25% da população do país. Que espaços culturais estão preocupados em fazer adaptações viáveis para que uma pessoa em cadeira de rodas, para dar um exemplo, possa usufruir da arte com tranquilidade, sem ser constrangida de alguma maneira?
Tenho convicção de que a participação ativa de pessoas com alguma diferença em movimentos por acessibilidade cultural vai contribuir muito para a aceleração do processo e para a inclusão, contra o preconceito de qualquer natureza. Mas, diante de todas as evidências, a pergunta que não quer calar é: quem está verdadeiramente interessado em políticas culturais voltadas para diversidade e acessibilidade? Temos um público cada vez maior que está saindo da invisibilidade para usufruir da arte e dos espaços culturais, mas para que isso aconteça de fato é preciso oferecer oportunidades, equipamentos e atendimento digno.
Se na Paris de outubro de 2005, a Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ressaltou a importância da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, hoje esta questão é vulnerável. E falamos de um patrimônio da humanidade, assim como acessibilidade e biodiversidade. São direitos que devem estar na base de todos os programas e projetos dos municípios, dos estados e do país em nome da nossa dignidade em todos os recantos deste Brasil tão diverso. Afinal, independente de gênero, raça, cor, orientação sexual, tamanho, opinião, posição social – não deveríamos ser aceitos como somos, com nossas capacidades, limites e possibilidades?
Para incluir oferecendo diversidade e acessibilidade cultural é fundamental derrubar barreiras, unir pontas, assumir atitudes libertárias e tornar os ambientes sustentáveis em todos os sentidos. Mas só seremos sustentáveis quando inclusão, acessibilidade e diversidade fizerem parte do nosso cotidiano. E para que isso aconteça, é fundamental respeitar as diferenças.
Ninguém é igual a ninguém. E essa é, sem dúvida, a nossa grande riqueza.