“Lucro. Máquina de louco. Você pra mim é lucro!” são versos de Russo Passapusso que ganharam fama no som do grupo BaianaSystem. A frase resume muito bem o mantra que há séculos direciona praticamente todas as empresas no mercado. Apesar de não ser novidade nem surpresa, ainda assim temos muito o que conversar sobre isso, especialmente quando se trata de redes sociais e plataformas digitais. Eu te convido a subir o som e vir comigo em uma análise simples e objetiva sobre os últimos acontecimentos no mundo digital.
Recentemente, o fundador e líder da empresa Meta, Mark Zuckerberg, veio a público comunicar mudanças nas políticas internas das plataformas da sua empresa, incluindo Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp. Aplicativos estes que são utilizados diariamente por mais de 110 milhões de brasileiros. As mudanças também incluem a forma como essas plataformas irão realizar a verificação de fatos e notícias veiculados. Mas que mudanças são essas e como elas impactam a nossa vida?
As principais mudanças na política da plataforma passam por permitir que seus usuários se refiram a grupos minorizados de maneira ofensiva, como sendo “liberdade de expressão”. Para a plataforma, tá permitido xingar gays de “doente mental”, “anormal” ou “esquisito”. Também está permitido se autodeclarar racista, islamofóbico, homofóbico, ou qualquer outro posicionamento antiminorias, como imigrantes, por exemplo.
Já no que diz respeito ao processo de verificação de fatos, a Meta vai deixar de utilizar o trabalho de agências especializadas para realizar a verificação de fatos e adotar a mesma estratégia do Twitter (rebatizado X por seu novo proprietário, Elon Musk), em que a própria comunidade deve verificar e postar notas sobre o conteúdo ali veiculado. Por ora, essa medida se restringe apenas aos Estados Unidos.
Me diga você, me diga, o que é que sara a tua ferida. É ficar horas e horas nas redes sociais combatendo racista e homofóbico? É produzir e postar conteúdo para engajar com teu público e teus clientes? Pois saiba que é exatamente isso que eles querem que você faça, meu nego, minha nega. É que você debata, que você discuta, brigue, xingue, mas não saia de lá nunca. Para o bem, para o mal, o que eles querem é o tal engajamento. Me diga você, me diga.
Lucro! As plataformas da Meta funcionam de uma forma que quem gera e distribui conteúdo não recebe um centavo, independente do engajamento que possa gerar. Quem fica com o lucro, dos anúncios e propagandas é apenas a Meta. Já em outras plataformas, como Youtube e TikTok, por exemplo, se seu conteúdo vai bem, você ganha dinheiro por isso. Antes mesmo de falarmos se é um pagamento justo, te convido a olhar pelo lado de quem todo dia tem que gerar e distribuir conteúdo para redes sociais para receber apenas curtidas e comentários (muitas vezes de ódio) como forma de pagamento. Não conseguem respirar.
E por falar em TikTok, você sabia que ele está prestes a ser banido nos Estados Unidos, sob a acusação de ferir a privacidade dos seus usuários e alimentar a “máquina comunista” da China? Sim, o país da “liberdade de expressão” aplica muito bem o “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Porém, na prática, o que o TikTok está causando é um prejuízo absurdo para o grupo Meta, pois milhões de usuários preferem a plataforma de Singapura à americana. Com o iminente banimento, uma parcela de cidadãos americanos está migrando para outras plataformas, essas sim chinesas, como forma de protesto contra essa medida.
Eu te convido a olhar de forma mais ampla para o que tudo isso significa, em que contexto isso ocorre. Nos Estados Unidos, Donald Trump retornou ao comando do governo, embalado por esse discurso atual do salvador branco, de que as minorias (pretos, gays, imigrantes) estão tomando conta do país, de que a América precisa voltar a ser grande. Tanto Musk quanto Zuckerberg, donos de gigantes digitais, abraçaram esse discurso e colocaram seu apoio direto ao presidente. Vão botar rapadura na mamadeira.
O posicionamento de Musk e Zuckerberg tem uma crítica em específico à União Europeia e ao Brasil, locais em que essas plataformas sofrem mais para implementar suas políticas. A lei de cada país é soberana em relação a essas plataformas, o que significa que, independente do que a política da plataforma diga, se alguém cometer um crime no aplicativo, irá responder perante a lei. Eles querem mesmo que a gente compre isso como uma briga pessoal de Alexandre “Xandão” de Morais com as gigantes da internet. Na prática, são conquistas como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados que colocam os brasileiros em uma condição de proteção da sua privacidade na internet. E quem é preto sabe que nenhum direito é garantido, todo dia é preciso lutar, pois o pouco que é feito ainda permanece sob risco.
Eu faço figa pra essa vida tão sofrida terminar bem sucedida. Nós merecemos ser mais do que massa de manobra de quem tem como princípio ético fundamental o lucro. Merecemos ser mais que usuários e, sim, fortalecer espaços que respeitem uma ética afrocentrada, seja no físico ou no digital. Use as plataformas, mas não deixem que elas usem você.
Fausto Vanin é um agente de transformação digital que utiliza a tecnologia para impulsionar mudanças sociais. Com doutorado em Computação Aplicada e certificação em Inovação e Estratégia pelo MIT Sloan School of Management, ele é cofundador da OnePercent, empresa referência em blockchain, e da Lanceiros, que desenvolve soluções tecnológicas com foco na redução de desigualdades. Também é mentor, palestrante, e voluntário em organizações do terceiro setor, como Odabá, Aldeia da Fraternidade e Social Good Brasil. @faustovanin
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