Para os meus olhos e a minha sensibilidade, a miséria humana nunca esteve exposta de forma tão cruel nas ruas e becos das cidades. O abandono grita. A pobreza é extrema. A fome dói. A cada esquina é uma súplica, um pedido, um lamento. A indigência degrada, humilha, machuca o corpo e a alma. Enlouquece. O que vejo ao redor é degradante. Só em uma quadra, dois homens atirados no concreto, uma mãe com o filho no colo pedindo comida e um menino aparentando 6 ou 7 anos vendendo panos de prato quando deveria estar na escola.
A impotência bate forte. E sigo me perguntando o que fazer. Educação e Saúde minimizadas e sem recursos. Universidades ameaçadas. Ciência desacreditada. Segurança precária. O preconceito jogado na nossa cara. E a devastação do meio ambiente avançando de jeito voraz. No que nos transformamos?
A violência está por todos os lados. Matar virou hábito. E mais uma vez me pergunto sobre os meandros, dobras e descaminhos deste tempo sombrio – Como chegamos nesta insanidade brutal? A falta que abre feridas incuráveis e a opulência soberba que reina absoluta e sem controle. Olho para os vazios e os acúmulos e questiono as generalizações e as promessas vãs. Desacomodo as certezas de vozes e discursos que carregam soluções como num passe de mágica.
Deixar a vida avançar como está é a catástrofe assumida. É a negação do que buscamos, fizemos e nos tiraram nos últimos anos – nosso trabalho, nossa esperança, nossa luta, nossa crença na possibilidade de um mundo justo. Nossa paz. Não podemos anestesiar nossos sonhos. É imprescindível abrir outros horizontes. Descontinuar os caminhos que já não servem. Dar adeus ao demasiado. Buscar o necessário. Sair do tempo-máquina, do tempo-automação e voltar ao tempo-humano. Criar novas utopias. Abrir um buraco no cotidiano. Partir para a reinvenção. Só o ato criativo pode colocar em cena a possibilidade de uma geografia que não nos acuse pela cor, pela opção sexual, pelo feminino, pelo tamanho e por aí afora.
Pra onde ir? Por quê? A utopia nos permite sonhar outros mundos e fazer algo na contracorrente. Mas antes precisamos respirar com profundidade e tentar entender onde nos perdemos. O mundo nunca esteve tão desregulado. E eu me faço mais uma pergunta – Por que tanta velocidade, se no caminho há tanto para fazer, observar, aprender, mudar, deixar para trás? Tempo, tempo, tempo!
Diversidade, acolhimento, convivência, respeito pelas diferenças, respeito pelo outro, harmonia, preservação do meio ambiente. Estes são os luxos do futuro. Sem este luxo não teremos futuro!
Mas quem vive legislando em causa própria, sustentando milícias e mentiras mergulhadas no “favorzinho” – uma propina aqui, outra lá adiante – usando e abusando do dinheiro público, só tem olhos para o povo em época de eleição, quando as promessas jorram e tudo, milagrosamente, parece ter solução.
Minha esperança é que esses tempos exacerbados acendam outras luzes e as pessoas analisem a trajetória de cada candidato antes do voto. Impossível não pensar nas tantas malas e caixas de dinheiro desviado que circularam/circulam por esse Brasil, nos políticos tão bem pagos para desfilar em Brasília e na descarada miséria moral em que nos fizeram mergulhar. Enquanto isso, a pobreza extrema aumenta assustadoramente.
O que é “uma primeira-dama de verdade”? Não vejo verdade em nichos machistas, homofóbicos e oportunistas que vomitam preconceito. A verdade está no respeito à orientação sexual de cada um. O discurso da linguagem chula e da ironia vulgar e violenta não tem lugar na sociedade libertária, que buscamos.
E aí a canção de José Miguel Wisnik, músico, compositor e ensaísta, professor de Literatura, mestre, doutor, um artista brasileiro que admiro, me sacode: “Se meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar”. Há que se aprender a levantar e lutar com dignidade contra o que nos agride e agride gente como a gente. Uma proposição artística pode nos fazer ver além do que a vida mostra. A arte resiste às formas instituídas e nos fortalece, esculpe outras dimensões, aponta outras paisagens. Por isso, a criatividade assusta. Reagir, sair da massificação e do pensamento único, inquieta. Encontros múltiplos e de muitas vozes trazem desejo e coragem, essenciais para uma tomada de decisão democrática e plural. A verdade é cheia de lacunas. A narrativa perfeita é uma mentira. Uma só opção não oferece escolha. Precisamos de encruzilhadas. A dúvida, a troca, a curiosidade são substanciais. Só uma mente arrogante sabe tudo. A condição humana é em essência imperfeita. A gente só é a partir do outro.
Somos o que podemos ser diante do imponderável. Mas desconhecer a nossa história política e compactuar com discursos escravagistas, misóginos, racistas e preconceituosos é inaceitável.
Ouvir políticos cheios de retórica e soluções mágicas nesses tempos de um Brasil sem rosto, que massacra seu povo, cansa. Um Brasil que detona suas riquezas naturais em nome de uma economia imposta pelo capitalismo mais predatório que já enfrentamos. Que governo é este que jamais refletiu sobre os difíceis momentos que vivemos e que jamais foi solidário com as nossas perdas e a nossa dor? Só respostas prontas, sem autocrítica e sem diálogo, “no cercadinho” ou em “motociatas”.
O fato é que o ambiente social e político da contemporaneidade naturalizou a barbárie. A classe dominante gargalha e consome, enquanto a Amazônia arde. A classe política se acovarda no parlamento, enquanto o Brasil é humilhado. E segue o desgoverno! A educação foi abandonada. A ciência e o conhecimento viraram crimes. A previdência social começou a ser destruída. E a produção artística, “feita por vagabundos que não querem trabalhar”, segundo quem (des)comanda a cultura, perdeu patrocínios e apoios.
Quem suporta tanto deboche?