Há algumas semanas, a movimentação em torno das cartas e manifestos em defesa da democracia tem me lembrado da catequese que minha avó Margarida me obrigou a assistir em São Borja. Em uma aula particularmente marcante, a catequista nos falou do livro do Apocalipse e sobre como ele descrevia o fim dos tempos.
Curioso como só alguém que nasceu antes da Internet pode ser, procurei nas gavetas de casa e encontrei o livrinho cinza do Novo Testamento (que na época estava sempre disponível para quem frequentava a igreja ou colégio católico). Com este objeto pré-histórico em mãos, me dediquei a descobrir como seria o fim do mundo cristão.
Entre rios de sangue e cavaleiros vingativos, me chamou a atenção o capítulo 3, versículos 15 e 16.
Conheço as suas obras, sei que você não é frio nem quente. Melhor seria que você fosse frio ou quente!
Assim, porque você é morno, não é frio nem quente, estou a ponto de vomitá-lo da minha boca.
Se você está se perguntando qual a ligação entre “cartinha” e a ameaça divina de vomitar os mornos, não deve ter prestado atenção em quem diz não assinar uma carta em defesa da democracia para se manter “neutro”. Pergunto: há posição que fique no meio do caminho entre a liberdade e a opressão? É possível ser morno com princípios?
Enquanto sociedade, tem nos faltado medo da ira de Deus com os omissos. Apontar o dedo para o errado. Bater palmas para o certo. Principalmente: é urgente que tomemos lugar sobre o que importa, não apenas pessoal, mas coletivamente.
Eu – que rezei muito Pai Nosso para afastar os horrores do Apocalipse – apoio qualquer movimento pelo fim do racismo, do machismo, do massacre de indígenas, da desnutrição infantil. Assino carta pela democracia, pelo estado de direito e pela cerveja sem milho.
Porque sim, há assuntos que não deixam espaço para a neutralidade.