O impacto do desastre climático segue repercutindo. Dentro de mim e de todos os moradores das cidades atingidas. O astral está pesado. Caminhar nas ruas e se deparar com escombros não está sendo fácil processar. Esses dias, cheguei até a me emocionar com a recuperação de uma planta que foi podada em uma calçada, em Porto Alegre.
Em alguns grupos de WhatsApp que estou rolou muita indignação, manifestações devido ao corte de um guapuruvu no canto de um terreno no bairro Petrópolis. Ainda que tenha virado comum esse tipo de acontecimento – perdi as contas de quantas árvores que eu apreciava foram exterminadas com licença da prefeitura – essa derrubada deixou as pessoas sensíveis com raiva. Muita gente praticou seus minutos de ativismo digital.
Depois de tudo que passamos, a administração de Porto Alegre segue com sua prática usual: privilegiar o concreto, as construções, as incorporadoras, quem ajudou os atuais tomadores de decisão estarem no poder hoje, seja no parlamento municipal ou em algum cargo do executivo. Estar sob a guarda desse tipo de gestão em tempos de crise climática é algo desesperador.
Olha essa foto que um amigo postou num grupo esses dias. A tampa da rede de esgoto (provavelmente pluvial) sem os parafusos! Agora pergunto: como não se sentir mal diante de tanta negligência? A foto é da avenida Polônia com a Ceará, na Praça São Geraldo.
Mais chuvarada vem aí
Lá vem mais um anúncio da Metsul. No próximo final de semana, teremos novamente muita chuva pela frente. Só de ficar sabendo desse anúncio, tenho calafrios. E aquelas montanhas de resíduos vão continuar nas ruas do Humaitá e Sarandi? E que medidas de precaução serão adotadas pelas prefeituras da região metropolitana? E como ficam as pessoas que foram despejadas pela prefeitura de Porto Alegre da Pousada Garoa?
Pelo que tenho visto, parece que essa sensação de insegurança é algo que não está acontecendo apenas comigo. Na verdade, esse “clima” de instabilidade, de cansaço, de peso de estar vivendo numa cidade que chegou a ostentar o título de mais arborizada e de melhor qualidade de vida do País. Eu confesso: tinha orgulho de morar em Porto Alegre. Hoje, eu e a torcida do Grêmio pensamos em sair fora daqui.
E as consequências das enchentes – as que podiam ter sido evitadas e as que mostraram a força da natureza – estão abalando de fato a saúde mental dos porto-alegrenses.
É o que está sendo constatado pela pesquisa de médicos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, vinculados à Faculdade de Medicina da UFRGS, com apoio da Rede Nacional de Saúde Mental (Renasam).
O levantamento, iniciado em meados de maio, mostra que a ansiedade aflige a 100% das pessoas com renda familiar abaixo de R$ 1,5 mil e a 86,7% de quem tem renda familiar acima dos R$ 10 mil. A depressão atinge a 71% das pessoas do estrato com menor renda e a metade (35,9%) daqueles com maior renda. A síndrome de burnout, distúrbio emocional com sintomas de estresse, exaustão extrema e esgotamento físico, afeta mais a quem tem renda familiar mais baixa (69%) do que a quem tem renda mais alta (47%), informou a Agência Brasil. Clique aqui para saber mais.
Em síntese, a gauchada que ainda se acha melhor que brasileiros de outros estados precisa cair do pedestal e encarar de frente que não dá mais para ignorar a tamanha negligência a que estamos mergulhados. Tem coisas que só quem mora fora do RS se dá conta do quanto nossa cultura nos impede de enxergar o óbvio. De que adianta ter “trocentas” universidades, centros de pesquisa, ter um monte de gente competente para resolver os problemas e não usar toda essa inteligência para resolver os problemas que trazem prejuízos para todos?
Por tudo isso, que acredito, o corte do guapuruvu foi mais um pretexto para as pessoas colocarem para fora o que tem sentido no coração. E o desespero aumenta ainda mais quando os lados que podiam se unir para derrotar a incompetência não perceberam que o ego, as disputas de poder precisam ser escanteadas em favor do bem comum. Por favor, precisamos desesperadamente de lucidez para derrotar esse projeto de estado mínimo, que na hora da emergência, não sabe nem comunicar ao que fazer diante da calamidade.
Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais.
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