Dizer que “não fomos feitos para trabalhar” pode parecer um incitamento à vagabundagem ou que estou me referindo à teoria criacionista, mas não é nada disto. Quero propor uma análise da nossa evolução como espécie, do estilo de vida e da ideologia dominante das últimas décadas em relação à função do trabalho nas nossas vidas. Não foi sempre assim e não precisa continuar sendo como vivemos hoje. Se você se interessa em saber como e por que nos convenceram a trabalhar, então leia este texto.
Você já deve ter ouvido alguém se referir a outra pessoa como “honesta e trabalhadora” para qualificá-la como boa pessoa. Ser “trabalhadora” significa trabalhar mais do que a média, alguém que se dedica muito ao trabalho. Nos anos 80, o Jô Soares, no seu programa “Viva o Gordo”, interpretava um governador que usava o bordão “Meu nome é trabalho”. Nas décadas passadas ouvi palestrantes lotarem anfiteatros e dizerem: “Meu nome é trabalho e meu sobrenome é hora extra”, “Enquanto você dorme a concorrência está trabalhando”. Hoje leio que tem Coach que ensina a ficar rico em dificuldades financeiras. Trabalhar muito foi motivo de orgulho para algumas gerações, mas não foi sempre assim. Veja que antes da revolução industrial a jornada de trabalho era bem menor, depois ela chegou a 12-14-16 horas por dia, vieram as conquistas trabalhistas que limitaram em cerca de 8 horas/dia e, com a uberização, voltamos a ter a “liberdade” de trabalhar 12-14-16 h/dia.
Voltando as nossas origens, onde os nossos ancestrais usavam as mãos para se apoiar ao caminhar e assim repartiam o peso do corpo nos membros inferiores e superiores. Admitamos que este era o “projeto original”, e que em algum momento resolvemos andar eretos, colocando todo o peso nos membros inferiores forçando a coluna. Ela demorou alguns milhões de anos, mas se adaptou. Nesta época vivíamos poucos anos e o desgaste na coluna não era significativo. Só nos últimos 150 anos é que dobramos a expectativa de vida e aí a coluna e demais partes do corpo humano tiveram que se adaptar neste curtíssimo espaço de tempo. Mas não foi só isto, resolvemos viver o dobro do tempo e passar um terço da vida ou mais sentados. Haja corpo que aguente!
Como chegamos nesta situação de precisar trabalhar um terço ou mais do nosso tempo? Quando os caçadores/coletores resolveram “fixar residência”, buscaram lugares onde havia água e alguns recursos para a sua sobrevivência. Aprenderam a estocar alimentos para ter comida no inverno. Depois surgiram as profissões, alguém aprendeu a fazer barcos e trocava seu produto pelo couro do animal que o vizinho tinha caçado. Ter mais barcos ou mais peles de animal que os demais não o tornava mais poderoso. As atividades eram desenvolvidas quase com um hobby ou uma necessidade momentânea. Não existia a intenção de estocar ou acumular riqueza. Então, para que fazer mais do que o mínimo necessário?
O capitalismo entendeu que para acumular riqueza era necessário que as pessoas trabalhassem mais do que o mínimo necessário, mas como convencê-las a fazer isto? Foi necessário criar mecanismos de distinção, por exemplo, ter mais barcos ou peles de animais tornaria o seu proprietário uma pessoa “honesta e trabalhadora”. Para que serve ter vários barcos se ele só usa um? Não importa, com este “capital acumulado”, ele poderia trocá-lo por peles ou por outros produtos e ser alguém com mais posses do que aquele outro que só trabalha para ter o mínimo necessário. Depois vieram os objetos de desejo, que para obtê-los eram necessárias muitas horas de trabalho… e o resto da história você já conhece. O capitalismo conseguiu fazer as pessoas trabalharem mais e acumularem, mas não conseguiu torná-las mais felizes, pois quanto mais têm, mais querem ter, ou vivem com medo de perder o que já acumularam, e, por isto, vivem angustiadas, insatisfeitas e temorosas com o futuro.
Chegamos aos dias de hoje, onde uma parte significativa da população trabalha 8h/dia ou mais sentada, leva uma vida sedentária e, agora com o trabalho remoto, acabou o “horário de trabalho”. Se tornou normal não ter mais intervalo para almoço e “levar a chefia para a cama”, tarde da noite estamos respondendo mensagens e marcando reuniões sem ganhar adicional noturno ou hora-extra. E como o nosso corpo está respondendo a estas novas demandas? Muito mal! O nosso organismo precisa de movimento para funcionar bem. Quanto mais exercício, mais fortalece o músculo chamado coração que, quando trabalha “com folga”, diminui o seu desgaste e aumenta a sua vida útil. Algo semelhante acontece com o pulmão e com os demais órgãos.
A conclusão que eu chego é que estamos fazendo o inverso do que deveríamos fazer: estamos trabalhando muito e nos exercitando pouco. Me chama a atenção as declarações das pessoas que trabalham muito para acumular e poder, ao se aposentar, viver numa praia e ter uma vida simples e tranquila. Ou seja, sacrificam sua saúde e várias décadas da sua vida para depois viver como vivem os índios e os pescadores que sempre tiveram uma vida simples. Na vida que levamos, dá para viver fazendo o mínimo necessário? Talvez não. Eu sempre me pergunto: e quem vai pagar o plano de saúde e os remédios? Um amigo me respondeu: “Quem vive tranquilo no meio da natureza não precisa de plano de saúde e de remédios, eles não adoecem como a gente!”. Como tudo na vida, deve ter um meio termo, onde se possa fazer mais do que o mínimo e menos do que o máximo, se exercitar mais e tendo em mente que sacrificar a saúde, a convivência com quem amamos e tudo mais que o tempo leva, nada disto voltará na aposentadoria.