Usei as férias da minha filha de 11 anos como desculpa e fui ao cinema com ela na última segunda-feira à tarde. Munida de um pacote de pipoca de caramelo e uma garrafa d’água que custaram mais caro do que o ingresso, sentei na poltrona de coração aberto e sem me deixar afetar pelas polêmicas e manifestações que iam do entusiasmo exacerbado ao asco intelectualizado em torno da superprodução Barbie, dirigida pela jovem e já consagrada diretora Greta Gerwig (de quem sou fã desde que vi Lady Bird). Se você quer saber mais sobre o filme, sugiro as análises dos profissionais Ticiano Osório e Roger Lerina. O que vem a seguir é apenas uma coluna de alguém que saiu da sala de projeção com uma convicção: Barbie é um filmaço.
A começar pelo zunzum que causou. Bem antes de 20 de julho, minhas redes sociais já estavam cheias de gente que não-viu-nem-jamais-veria batendo boca com gente que não-queria-mas-veria-porque-o-filme-traz-verdades, entre outras diversas posições tão pessoalmente válidas quanto coletivamente inócuas. Chegou ao ponto da estreia ser transformada em um Gre-Nal improvável disputado entre um filme sobre uma boneca de plástico e outro, Oppenheimer, sobre o inventor da bomba atômica, dando origem ao o divertido meme “Barbenheimer”*.
Não tenho o tal “lugar de fala” para tratar do filme sob a ótica de uma fã da boneca. Nunca tive uma Barbie, que surgiu no Brasil quando eu já havia deixado de brincar com bonecas, e mesmo as minhas Suzis não me atraíam muito. Tampouco como mãe tive tanto contato com a Barbie, já que a criança lá de casa sempre preferiu outros tipos de brincadeira – e transformou as poucas bonecas que ganhou em belos exemplares de “Weird Barbie” (veja o filme para entender a referência). Mesmo assim, para uma mulher da minha idade (49 anos), é impossível não identificar as menções todas às inúmeras variações do produto da fábrica de brinquedos Mattel. A ironia e a autocrítica com que o roteiro trata o merchandising, aliás, são uma atração à parte. Sem falar da explicação didática de como as mulheres mais ligadas veem (e lidam com) os machinhos típicos.
E tem as deliciosas referências cinematográficas – como a mais evidente, no início, de 2001: Uma Odisseia no Espaço, e a sarcástica menção à “capacidade masculina de explicar” O Poderoso Chefão às mulheres. Outro ponto de destaque é o tocante monólogo sobre a condição feminina de America Ferrera que ajuda as Barbies convertidas ao patriarcado (veja o filme para entender) a voltarem a si. É um filme feminista, sim! E também inclusivo. Mas absolutamente realista na sua fantasia nonsense. Oxalá todos os progressistas do mundo conseguissem transmitir aquilo em que acreditamos com os mesmos humor, leveza e beleza deste filme, sem o panfletarismo ou didatismo que são tão comuns em obras tidas como “aulas” pelo público woke. Barbie não é um filme infantil, mas (ou justamente por isso) deveria entrar para o currículo das escolas.
Escrevo este texto 48 horas depois de ver o filme, ainda impactada por ele. Barbie ficou em mim como poucos ficaram. De certa maneira, me lembra o que senti quando vi o absurdo e genial Idiocracia. Assim como acontece quando leio Kurt Vonnegutt, me pego de vez em quando lembrando de uma fala ou uma cena e sorrindo ou me emocionando novamente. Pode ser uma empolgação exagerada, mas sei que não estou sozinha nesta. Tem muita gente boa em cujo gosto eu confio que também adorou. Por isso, o resumo desta coluna pode ser feito com três palavras: veja o filme. E depois venha me dizer o que achou.
* Aqui entre nós, estou curiosa pelo filme de Christopher Nolan, mas não ao ponto de pagar R$ 40 pela pipoca e a água. Esperarei chegar aos streamings.