O que podemos dizer para as crianças? Nada de consistente. Pior, elas nem ouviriam. Crianças olham o que estamos fazendo e não o que dizemos. E o que estamos fazendo? Pensando mal. Pensamos que estamos certos, e os outros, não. Com certeza. Pior: absoluta, crendo que está certo o que pensamos. Se o outro pensa assado, está frito e deve ser carbonizado imediatamente. Desse jeito, nós é que estamos fritos. Nós e, muito pior, as crianças que veem os nossos pensamentos.
Andam chamando de polarização, mas polarização é prosa pouca para isso. É que, em termos poéticos, estamos em Pasárgada, onde só goza de prestígio o amigo do Rei. Em termos históricos, na Idade Média, onde só sobrevive o amigo do Rei. Em termos psicológicos, nos dois primeiros anos de vida, quando precisamos dos contos de fada, com o bem e o mal sem mais ou menos, para representar a nossa mente rudimentar dessa fase. Mas agora não passamos disso. Não alcançamos mais do que isso.
Hoje, a fase não passa. Não há meio-termo, não há nuança, não há relativação. Logo, não há crescimento. É uns e outros, eu e o outro, o certo e o errado. O certo – não há talvez – é que não há mais palavra que dê conta do processo. Voltamos às trevas e seu funcionamento rudimentar, com atuações desmedidas, sem palavras serenas, pouco complexo e nada maduro. As crianças estão vendo tudo, nos aparelhos celulares, e fora deles.
Fulano pensa isso e deve ser enforcado. Sicrano pensa aquilo e deve se arrepender. A razão absoluta é de um ou do outro, não há mais espaço para um “quem sabe…”, dúvida nem pensar. A vida que deixe de ser aberta, polissêmica, polifônica. Não há outra visão, sofre o alheio, goza o linear, escasseia a alteridade e vemos um radical, dentro de nós mesmos. Ele garante que me decepcionas, ao sentires assim, e vice-versa.
Eis o tempo radical presente. Ora, isso acontecia no passado, aos dois anos de idade, antes de o futuro apreender a diferença entre filhos e pais que não são o prolongamento um do outro, tampouco vão atender as expectativas recíprocas. E vida que deveria seguir, com a realidade do que falta, em meio à riqueza da diferença.
Não segue mais. Hoje, não pode mais haver diferença. Voltamos às trevas. É o tempo radical presente. Pensar com liberdade é estar sozinho. Atualmente, dois anos é o teto para o crescimento de uma mentalidade. Depois disso, o corpo não faz mais aniversário.
Foto da Capa: Freepik
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