Após ler uma das minhas colunas, uma amiga me perguntou por que eu não me importava em ser chamada de velha. Vamos adiante para eu responder a respeito.
Começarei contando sobre um sinal que tenho na pele. Um montinho de pelos, no formato de um círculo, que nasce no meu pescoço. Quando criança, lá pelos meus 10 anos, ele era um pesadelo para mim. Fui vítima de violência verbal, do que na época não se entedia assim, mas que se chama bullying. Meus colegas zoavam e me chamavam de “cabrita” porque diziam que eu tinha uma “barbicha” no pescoço, gritavam “béééé” quando eu passava, o que me enchia de vergonha e raiva. Crianças podiam ser cruéis naqueles tempos e podem ainda hoje.
Sobrevivi por conta da lição que recebi da minha Mãe quando me perguntou se eu era uma cabrita, e na minha rápida negativa, replicou que isso era o que importava: eu saber quem eu era, o que os outros pensavam, cabia a eles. Então, deixasse eles falarem o que bem entendessem.
Com o adoecimento da Mãe, por volta dos seus 65 anos, que me dei conta do meu envelhecimento e ali foi um tempo de muita confusão. Percebi que os guardadores de carro me chamavam de tia, o envelhecimento se instalava e rondava o meu corpo. Via que outras mulheres, mais jovens, despertavam os olhares que em outros tempos tinham sido para mim. Foram tempos duros. Tempos de mãe, de filha cuidadora e de mulher fêmea perdida no seu envelhecimento.
Coragem de ser velha
Um processo longo de libertação do jugo da fantasia de mulher jovem e perfeita, para chegar a ser a pessoa que minha Mãe me ensinou aos 10 anos, essa que tem coragem de ser velha, sem dar bola para o que os outros falam e pensam. Essa que tem orgulho da sua história e enxerga beleza com rugas. E, se alguém disser que isso não é bonito, que é relaxamento ou feiura, vou acolher a opinião e o sentimento, entender o sofrimento do outro e compreender que faz parte das dificuldades de aceitação da velhice. Afinal, eu estive lá. Sei que é doído e difícil.
Ao longo da minha vida tive uma infância, adolescência, juventude e fase adulta que me preencheram de vivencias e experiências. Fui envelhecendo desde que nasci e cá estou aos 57 anos. Quantos tem a graça e a benção de chegar nessa idade? Espero continuar a envelhecer, ainda tenho muitos sonhos e projetos para realizar. Gostaria de poder ver as filhas casando (será que elas vão querer fazer cerimônia?), acompanhar netos nascendo e crescendo (tomara!), conhecer novos lugares e muitas gentes, dançar, viajar, estudar, ler muitos livros (minha lista não para de crescer) … Então, agradeço cada dia a mais pelo meu envelhecimento. É um tijolinho na construção dessa vida.
Velhice é doença?
Ah, mas haverá limitações físicas na velhice! Sim, muito provavelmente aparecerá a necessidade de aumentar o grau dos óculos, fazer cirurgia da catarata, uma dor no joelho outra dor mais adiante, artrose, artrite, uma pedra aqui ou acolá, um remédio pro colesterol (já tenho) ou a pressão, mais exames de rotina pra fazer… Com o passar do tempo, espero que na velhice avançada, ficarei mais limitada. Te pergunto: velhice é sinônimo de doença? Por acaso você só conhece pessoas velhas com limitações e doença? E todas as pessoas mais jovens que possuem diversos tipos de doenças ou que, desde que nasceram, convivem com deficiências que existem no mundo? Essas pessoas deixam de viver? Como são suas vidas? Elas não têm direito a felicidade?
A idade não define quem somos, mas como pensamos, sentimos e lidamos com isso pode afetar nossa saúde mental e física, e o nosso tempo de vida. Quem lida melhor com ela, vive mais e melhor. Também não vou dizer que não me batem inseguranças e medos. Continuo lutando. Sou imperfeita. A cada crise, ao final das contas, resta a lição que aprendi aos 10 anos.
A palavra vida tem um V na frente e depois ela é só IDA. É pra frente que se anda. Não quero perder tempo. Então, sou velha sim, sem eufemismo… e com orgulho de onde cheguei, como cheguei e porque aqui estou! E querendo ir muito mais adiante! Valeu Mãe.
Foto da Capa: Freepik
Mais textos de Karen Farias: Clique Aqui.