Lembro de há alguns anos ter havido um debate quando numa novela da Globo a câmera focou no pé de uma atriz para mostrar a sandália Melissinha. Alguns defendiam que já existiam os intervalos para fazer a propaganda dos patrocinadores e que durante a novela não se deveria fazer anúncios descarados como aquele. Pois nestes dias assisti alguns capítulos do Big Brother e fiquei impressionado com a forma agressiva dos patrocinadores. Num dos programas os brothers tinham que cantar e dançar empolgados com uma maquininha de cartão de crédito. Em outro dia eles fizeram mil elogios e agradeceram a uma marca de produtos de limpeza. As atividades, festas, show, tudo é “dentro” de uma marca. Não basta mais uma placa ao fundo, é preciso que o telespectador seja inundado de anúncios e convencido a comprar de qualquer forma.
Eu diria que as grandes marcas “perderam o pudor”, elas invadem a nossa intimidade e nos atacam da forma que puderem, não respeitam princípios éticos, horário, nada. Mesmo existindo leis que regulam a propaganda, elas conseguem burlar e usar de seus mecanismos para vender. Sabemos que temos “espiões” dentro de casa captando nossos dados. Basta uma consulta no Google sobre um determinado produto para passarmos a receber anúncios de produtos relacionados. Quando vamos a uma farmácia, se não informarmos o nosso CPF, o produto custará o dobro do preço. Alguém já perguntou por quê? Qual a importância do CPF para obter o desconto? Porque a rede de farmácia monta um banco de dados, sabe as doenças que temos, se temos filhos pequenos, se estamos deprimidos etc. Depois ela vende esses dados para empresas interessadas em nos vender produtos, para quem iria nos contratar e, sabendo das doenças que temos, talvez deixe de fazer isto.
Eu sei que existe lei de proteção de dados, que podemos sair das redes sociais, que podemos isto ou aquilo, mas eu estou chegando à conclusão de que isto tudo é pouco eficiente. O poder das grandes marcas e suas estratégias está tão sofisticado que elas sempre conseguem descobrir novos caminhos para chegar até nós e “despertar desejos” em nós.
A única forma que eu vejo de enfrentar o consumismo proposto pelas grandes marcas, de conseguir não ceder aos impulsos dos desejos plantados em propagandas subliminares e por todo o tipo de mecanismo de sedução, é a pessoa ter um autoconhecimento tal que ela diga para ela mesma: “Eu não preciso disso”. Pode parecer simples, mas não ceder aos desejos do consumo é um desafio gigantesco, porque envolve uma relação social. Ao deixar de usar determinado produto a pessoa se diferencia e passa a ser um “corpo estranho” no seu meio. Um adolescente poderá “ser excluído da sua tribo” se não consumir determinado produto ou serviço. Como que você não tem/usa tal produto/serviço?
O autoconhecimento é um exercício que algumas pessoas conseguem, geralmente depois de adultas, por meio de terapia, meditação, prática de yoga e outras atividades reflexivas. Mas se o consumismo atinge principalmente as crianças e adolescentes, como fazer com que pessoas desta faixa etária conquistem o autoconhecimento?
Crianças e adolescentes são influenciadas pelos pais, portanto, é necessário que os pais sejam o exemplo. Os amigos e colegas de escola também exercem forte influência. Pais conscientes tendem a ter amigos conscientes que terão filhos na mesma vibe. E as redes sociais? Não há como se livrar delas, mas elas podem ter uma menor influência na vida das crianças e adolescentes. Achei interessante como uma creche na Noruega trabalha com crianças de 3-4 anos. Eles possuem contato com a natureza e, entre as atividades, eles ensinam as crianças a usar uma faca descascar frutas ou tirar a casca de uma madeira para fazer uma estaca quando organizam acampamentos. As crianças são expostas a outros estímulos e desafios, descobrem que existem recompensas além das que os joguinhos do celular lhes oferecem. Nós achamos perigoso deixar uma criança pegar uma faca na mão, mas entregamos um celular para um bebê como algo inofensivo. Não estamos na Noruega, mas podemos criar outros estímulos.
Enfim, a batalha não está perdida, mas precisamos mudar a estratégia. A forma de enfrentar as grandes marcas, é mostrar que usaremos seus produtos se desejarmos, quando e como desejarmos e não da forma que elas nos empurram. Seremos mais livres e felizes no dia em que os “nossos desejos” expressarem algo que dá mais sentido para nossa vida e não os que são “despertados por anúncios”. Voltamos ao exemplo de Sócrates, ter a liberdade de passear por um shopping com tantas ofertas e sair sem comprar nada, simplesmente porque não precisamos de nada naquele dia.
Foto da Capa: Reprodução
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