Todo dia, quando abro os olhos, nasço.
A luz lacrimeja, o pulmão enche e o sangue prepara o corpo para o movimento,
no café, acredito estar pronto e me lanço otimista.
Nas primeiras lutas da manhã começo a calejar.
Acumulando desafios, desconfio da facilidade e,
enquanto a força dos primeiros raios sustentam, parece por pouco tempo.
Chegando o meio-dia, a fraqueza mostra necessidade.
A nutrição reforça e faz o lastro para a longa tarde,
encarada de revesgueio e curiosidade.
Na função do novo turno, a matina é a base.
Imaginando na metade do caminho, já mais cascudo,
vejo o sol começar a cair mais seguro.
Mas as horas reservam surpresas e intempéries.
A convicção distrai e ilude enquanto caminho,
e a digestão vem junto com novas experiências.
O acúmulo começa a mostrar vantagens.
Empilhando o que vejo e o que sinto, piso,
e marco mais fundo com os passos mais pesados.
O anoitecer vem mais calmo, naturalmente.
Agora com o dia nas costas, percebo melhor,
e distribuo na mesa os iluminados aprendizados.
O escuro aconchega e desacelera o batimento.
Despacito, por cima do ombro, vejo sombras e clareiras,
colorindo a vastidão das curvas do trajeto.
Sorrio enquanto me preparo para deitar.
As escolhas acabam certas, mesmo erradas,
na indiferença que já fazem a essa altura do tempo.
Na horizontal, desapego.
O que vivi é de hoje e já sei que amanhã,
ao abrir os olhos, nasço!
André Furtado é, por origem, jornalista; por prática, comunicador, de várias formas e meios. Na vida, curioso; nos Irmãos Rocha!, guitarrista. No POA Inquieta, articulador do Spin Música.
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