As decorações dos shopping centers costumam nos dar os sinais de que o Natal está chegando. Para mim, essa época também se faz presente por suas sonoridades. Meu imaginário natalino está repleto de musicalidade, sons e melodias que ajudaram a construir memórias. Às melodias antigas, somaram-se outras que aumentaram o repertório.
Na infância, minha família seguia as tradições natalinas, entre elas o advento e o dia de São Nicolau. Ouvíamos e cantávamos músicas, sendo que algumas eram cantadas em alemão. Com o passar do tempo, também passei a gostar das melodias natalinas dos filmes americanos e da sonoridade dos guizos. Eu gostava de cantarolar os jingles das propagandas de rádio e televisão. Nas entradas das lojas de rua e centros comerciais, ouviam-se canções novas e antigas.
Lembro de um dos hits de Natal que grudaram no imaginário sonoro brasileiro: Então é Natal. Essa música, composta por John Lennon e Yoko Ono em 71, teve sua versão em português interpretada pela cantora Simone, em 1995. Ela foi ostensivamente tocada naquele ano. Na Wikipedia há referências à exaustiva execução nas rádios e lojas desta música, naquele ano. Foi uma estratégia de marketing que chegou a gerar uma certa ojeriza, direcionada ao recém-lançado disco da Simone.
Por sorte, as músicas natalinas, atualmente, têm sido executadas na medida certa. Mas as invasões sonoras do cotidiano são um fenômeno que não é de hoje. Com a idade, fiquei mais sensível a isso. No meu bairro, por exemplo, os ruídos das obras são constantes. Há um ano, os barulhos da obra ao lado do meu prédio começam, pontualmente, às 7h30 da manhã. Os caminhões, marteladas, máquinas e serra elétrica se alternam para cumprir essa tarefa. Tento acordar às 6h30, assim, me restam valiosos sessenta minutos para tomar meu café, curtindo o silêncio.
Sabemos que, no final do ano, os sons do trânsito e o burburinho ficam mais estridentes. A novidade são os sons trazidos pela tecnologia. Não é incomum “presenciarmos” algum vídeo sendo ouvido em alto volume. Mensagens de áudio também costumam ser compartilhadas. Com isso, fica todo mundo obrigado a ouvir sobre os mais diversos assuntos e sobre a vida privada dos outros.
Por vivermos num tempo de agitação, imediatismo e correrias, cada vez mais valorizo o silêncio. Segundo os estudiosos da área, os ruídos podem causar um efeito devastador para nossa saúde. É como um transe que fragmenta a atenção e a concentração. Sinto como se o silêncio fosse necessário para digerir tantas informações e discernir o que faz ou não algum sentido para mim.
Encontrei no livro A sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han, pistas para entender a importância de experimentarmos o silêncio e o estado contemplativo que ele nos proporciona. Para esse autor, vivemos na “sociedade do desempenho”. Ele argumenta que o homem moderno é submetido a um excesso de estímulos que o impelem a produzir e corresponder às expectativas da sociedade. Com isso, permanecemos com nossa atenção em constante dispersão. Ele compara este estado àquele em que os animais selvagens vivem, por estarem sempre alerta aos múltiplos perigos que ameaçam sua sobrevivência.
Byung-Chul Han ainda aborda a necessidade de nos desligarmos de tantas exigências, tentando meditar para que a nossa atenção volte a ser capaz de focar e não se dispersar. Ele afirma que o processo criativo e a reflexão humana dependem de um estado de atenção profunda e contemplativa. Espero que, neste final de ano, nós possamos incorporar ao repertório de sonoridades desta época o “som do silêncio”.
Jussara Kircher Lima é psicóloga. Após se aposentar do serviço público, tem se dedicado à escrita, em especial nos seus principais temas de interesse: literatura, psicologia e políticas públicas. E-mail: jussaraklima@gmail
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Foto da Capa: Gerada por IA.