Vamos comemorar, na próxima semana, um evento de mais de 2000 anos: o nascimento do Nazareno. Evento de tal importância que a história ocidental foi dividida em duas, antes e depois de sua vinda! Mais do que falar do Natal, no entanto, cuja comercialização termina por degradar a ideia original, falemos sobre a Natalidade, sobre O QUE SIGNIFICA UMA CRIANÇA VIR AO MUNDO.
Quando terminou a 1° Guerra Mundial, algo de muito estranho havia acontecido: não apenas o silêncio dos que retornaram das trincheiras e se recusavam a falar sobre aquela guerra “total”, mas o grave fato geracional de que uma quantidade imensa de jovens havia morrido antes de seus pais, colocando em sério risco – hipoteticamente falando – de que não houvesse mais um Mundo a ser transmitido e herdado e que, com a morte dos mais velhos, simplesmente não teríamos mais Mundo (enquanto mundo humano e não como planeta)! Mais perto de nós, a mortalidade infantil, o assassinato de jovens (e negros!) pela polícia ou os atos irresponsáveis que vitimam crianças, não são apenas um fenômeno médico ou penal de desastrosas consequências emocionais para os pais: é que uma parte das esperanças que cada criança aporta desparece com ela.
Assim, a possibilidade de que nosso Mundo tenha alguma perenidade, que as obras da cultura, uma tradição e uma lembrança possam ser transmitidas, depende exclusivamente da vinda dos recém-nascidos, sobre quem pesam as expectativas de que algo de “Novo” aconteça, a possibilidade de renovação sem a qual nosso Mundo rapidamente envelheceria. Alguém chamou isso de “milagre”: não num sentido religioso, mas como algo inédito e inesperado que pode ser introduzido no Mundo com a chegada dos mais novos. É este “algo” que nós não esperamos – o Novo – que cada mãe “espera” em sua gestação. Dar à luz tem, pois, um duplo sentido: a criança vem à luz do Mundo e, ao mesmo tempo, “ilumina” (renova) este mesmo Mundo com a sua chegada.
Nascer não é propriamente um evento “democrático”: não podemos escolher nosso nascimento, nem as suas condições. Mas uma vez no Mundo precisamos dele e dos que o habitam há mais tempo para podermos fazer aquilo que, sozinhos, não seríamos capazes: precisamos de educação, assim como ele – o Mundo- precisa dos Novos para não perecer. O Nazareno, nascendo na mais profunda pobreza, introduziu algo com suas ações e suas palavras: o Sermão da Montanha restará para mim como um dos mais prodigiosos registros filosóficos de crença no Homem – tantas vezes decepcionante!- – desde a invenção da palavra.
“Uma criança veio ao Mundo!”
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Foto da Capa: Freepik