A magia há milênios nos foi surrupiada, mas a física quântica passou a nos oferecer tijolos racionais para construirmos uma nova identidade, sem que o Sistema nos jogasse na vala dos loucos. Por todo esse tempo, foi necessário nos agarrarmos bem firme às fundações do conhecimento científico para suportar os movimentos irrefreáveis das descobertas em curso. Mas, já passado mais de um século desde Albert Einstein, o melhor a fazer é se valer destas bases para adquirir logo a coragem de navegar. Podemos até nos inspirar naqueles humanos que se jogaram aos mares, mesmo incertos sobre despencar em um abismo. Aparentemente, estamos melhor equipados e já podemos experimentar – dane-se o Sistema – uma nova interação com tudo o que nos cerca, para vivermos virtuosamente, como defendia Aristóteles, com amor e comprometimento no mundo, do qual somos simultaneamente criadores e criaturas.
A imagem do universo como uma máquina veio sendo substituída pela de um todo interconectado, dinâmico, cujas partes são essencialmente interdependentes e têm de ser entendidas como padrões de processo cósmico. A fim de definir um objeto nessa teia de relações, abrimos caminhos através de algumas dessas interconexões – conceitualmente e também fisicamente, com os nossos instrumentos de observação –, e assim fazendo, isolamos certos padrões e os interpretamos como objetos. Diferentes observadores podem fazê-lo de diferentes modos, através de diferentes técnicas de observação. Por exemplo, quando identificamos um elétron, podemos fazê-lo elegendo uma de suas conexões com o mundo. Consequentemente, o elétron pode apresentar-se como uma partícula, ou então como uma onda. O que você vê depende de como você olha para ele. Foi o físico Werner Heisenberg quem introduziu esse papel crucial do observador na física quântica. De acordo com ele, não podemos nunca falar sobre a natureza sem falar, ao mesmo tempo, sobre nós mesmos.
Já o físico Fritjof Capra, no seu fundamental livro O Tao da Física, esclareceu o paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental, pois a ideia de que o processo de conhecimento é parte integrante da compreensão da realidade é bem conhecida de qualquer estudioso do misticismo. O conhecimento místico nunca pode ser obtido pela observação desprendida e objetiva, ele sempre envolve a participação plena de todo o ser do indivíduo. De fato, os místicos vão além da posição de Heisenberg. Na física quântica, o observador e o observado não podem mais ser separados, mas ainda podem ser distinguidos. Místicos em meditação profunda chegam a um ponto em que a distinção entre observador e observado é completamente demolida, onde sujeito e objeto se fundem*. O astrofísico Dr. Neil de Grasse Tyson, em 2013, perguntado por um leitor da revista Time sobre qual o fato mais surpreendente sobre o universo, respondeu: “Nós somos parte deste universo. Estamos neste universo. Mas talvez o mais importante do que ambos os fatos é que o universo está em nós.”
*O budista e professor de Zen Dharma na Califórnia, Ronald Purser, alerta que o contexto original do mindfulness, que apareceu há séculos na Índia, é absolutamente distinto da versão moderna de meditação profunda como terapia centrada no “eu”, no bem-estar, algo reduzido a uma competência. O mindfulness nasceu destinado a percorrer um caminho espiritual de desenvolvimento ético e moral, que leva à sabedoria e à compaixão. É baseado na libertação espiritual que pretende reverter as causas do sofrimento dos seres humanos. Era uma tradição monástica à qual as pessoas dedicavam toda uma vida. Purser explica que “não era sobre o ‘eu’; pelo contrário, era uma forma de se libertar das fronteiras do ‘eu’.”
“É tudo paisagem. Ou cósmica. Ou da terra. Ou do sentimento humano. Para Takashi Fukushima, o mundo é uma contemplação. Todas as coisas são elas mesmas e todas as coisas podem ser observadas. Elas são elas mesmas e elas são este olhar que as percebe. Em Takashi Fukushima, todas as coisas são olhar e consciência. Com uma lógica interna impecável, este é o seu percurso.” Jacob Klintowitz, crítico de arte, ensaísta e escritor, no livro Diáfanas paisagens.
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Imagem de capa: Takashi Fukushima / Divulgação