“A que ponto nós chegamos!” Diante de certas circunstâncias, esta é uma daquelas frases da qual nos lembramos espontaneamente. Para mim, ela tem feito muito sentido nos últimos tempos. Significa que alguns limites foram ultrapassados, por negligência ou descaso. É interessante a potência que estas frases, ditados e provérbios populares possuem. Nem sempre acho que sejam verdades absolutas, mas geralmente acertam na mosca. Diante da minha atual indignação com o negacionismo ambiental, outros provérbios me vieram à mente: “O pior cego é aquele que não quer ver”; “Quem semeia vento, colhe tempestade”; “Onde há fumaça, há fogo”; “Quem avisa, amigo é...”.
Esse tema também me fez lembrar de um episódio da minha juventude. Antes de me formar em Psicologia, cursei alguns semestres de Geologia na UFRGS, em 1983. O Diretório Acadêmico da “Geo” era muito atuante e acabei me envolvendo com a formação de uma chapa que disputaria a eleição do DA. Depois de muita discussão para escolher um nome para a chapa, fechamos com aquele que mais nos identificava: “Nós não somos avestruzes”.
É preciso esclarecer que, equivocadamente, naquela época o avestruz era tido como um bicho medroso. Se dizia que ele escondia a cabeça num buraco feito no chão para não se defrontar com os perigos que a realidade apresentava. Em outras palavras, seu comportamento servia como uma metáfora para o negacionismo. Nós da “Nós não somos avestruzes”, defendíamos que as discussões e decisões acadêmicas, assim como as mudanças curriculares, em pauta naquela época, levassem em consideração o contexto econômico e social. Também queríamos incluir nos debates as questões ecológicas e de preservação ambiental. Como a Geologia é uma área de conhecimento intimamente ligada à exploração das riquezas naturais, os interesses políticos e econômicos não poderiam deixar de ser analisados. Protestávamos contra a alienação de alguns estudantes e professores.
Não ganhamos as eleições, mas foi uma experiência definidora de horizontes, que me atravessa até hoje. Nunca mais esqueci do desenho de um avestruz com a cabeça enterrada no chão, representando o logotipo da chapa. Pena que não o guardei.
Muitos anos se passaram e vejo que os acontecimentos do presente reatualizam muitos temas e questões daquela época. Como diria o Cazuza, um “museu de grandes novidades”. É como se fosse uma espiral, que tem nos feito assistir embasbacados a criativos negacionismos coletivos.
A participação política ainda é insuficiente. Muitos não querem ou não conseguem relacionar o aquecimento global e as tragédias ambientais com as escolhas governamentais que são pautadas somente pelos interesses econômicos que destroem a natureza. Pelos mais variados motivos, continuam escolhendo representantes que, em suas ações como políticos, se posicionam contra a preservação da natureza, contra as minorias, contra a coletividade.
Depois da terra plana e da vacina que transforma em jacaré, pensei que o furor negacionista já havia amenizado. Evoluímos um pouco, concordo. Mas ainda há quem ponha a culpa dos desastres ambientais nas árvores, que queira privatizar praias, que derrube guapuruvus, passe a boiada, defenda estupradores e por aí vai…
Tá difícil. No momento, voltando à sabedoria popular, a frase que mais me representa é Criança não é mãe. Tem tudo para se tornar um provérbio.
Foto da Capa: Bruno Peres / Agência Brasil
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