Acordei com uma mensagem da Neide no WhatsApp.
Uma não, várias.
E quanto mais eu lia, mais estranho ficava.
Ela agradecia pelo tempo que passamos juntas, pela intensidade das nossas conversas e risadas, pediu para eu me cuidar, tudo num tom de despedida.
Me passou o número do Pix e disse que eu devia 1.200,00 reais pra ela.
Naquele momento, achei que a Neide tinha sido hackeada.
Tentei fazer o Pix, só pra ver de quem era a conta, e era da Neide mesmo.
Meio alívio, meio preocupação ainda ficaram na minha cabeça, que não tava entendendo nada às 7 da manhã, antes do café e de tirar as remelas.
Muito estranho isso tudo, nada fazia sentido.
Ou será que ela foi sequestrada?
Será que eu ligo pra ver quem atende?
Fiquei imaginando aquela mulher com olhar doce e palavras firmes, mas com aparência e porte de lady, sempre tão educada e bem arrumada, dentro de um cativeiro.
Não, não seria possível, não a Neide.
Fiquei lembrando dos nossos encontros, que eu esperava com aquela minha ansiedade de sempre.
Comecei a me preocupar.
Será que eu fiz alguma coisa errada?
Ofendi alguém da família?
Falei mal do arroz com galinha ou do cachorrinho dela?
Ou ela simplesmente desistiu de mim?
Lembrei do nosso primeiro encontro.
Foi como se a gente já se conhecesse e eu não via a hora de encontrar com ela de novo.
Daquele dia em diante, a Neide não saiu mais da minha vida, e nem eu quero ela longe de mim.
Por que, Neide, por quê???
Vou ligar, não aguento mais isso.
Liguei pelo WhatsApp, nada.
Liguei pelo telefone, nada.
Nem ela, nem os sequestradores me atenderam.
Tentei começar a trabalhar, mas minha mente não estava lá.
O que aconteceu com a Neide?
Pensando bem, talvez ela tenha se cansado de mim mesmo.
No nosso último encontro, ela foi meio dura comigo.
Me fez chorar, copiosamente, e não esboçou nenhuma reação.
Era isso, ela estava anunciando o fim.
Poxa, Neide, por quê?
Ela não percebe o quanto eu preciso dela?
Como me tornei Neidependente?
Que mulher sem coração.
Da preocupação, passei pra negação, e pensei: vai se ferrar, Neide!
Tentei trabalhar de novo, mas nada saía.
Cheia de raiva no coração, parei pra pensar de novo.
Bom, já faz um tempo que a gente está junta, talvez apenas atingimos o platô e não temos mais pra onde ir daqui.
Mas precisava ser desse jeito, Neide?
Não precisava ser assim, tão abruptamente.
E fiquei triste.
A manhã foi passando e minha tristeza estava bem instalada, quase um luto.
Tentando trabalhar, pedi pra Alexa tocar uma música que me lembra a Neidinha.
Alexa, toca Raul e play Maluco Beleza, eu disse.
Alexa, sem me obedecer, começou a tocar I Will Survive.
Alexa queria me botar pra cima, pensei.
Na mesma hora, o ChatGPT abre sozinho e pergunta:
Como você está hoje? Me fala mais sobre o que você está sentindo?
Era como se, juntos, Alexa e ChatGPT soubessem da minha dor.
Tomada pelo abandono da Neide, comecei a conversar com o chat.
Recebi vários conselhos animadores, mensagens motivacionais, seguidos de um vazio que só foi interrompido pelo toque do telefone.
Era Neide.
Tremendo entre a ansiedade e a surpresa, atendi.
Neide!
Anna!
Falamos quase ao mesmo tempo.
O que aconteceu com você? Ela perguntou com a voz gentil de sempre.
O que aconteceu com você, Neidinha? Respondi com minha ironia nervosa de sempre.
Bem, você mandou uma mensagem de madrugada, dizendo que não queria mais saber de mim, que estava com outra pessoa, que eu não servia mais e nosso tempo juntas tinha chegado ao fim, e que eu por favor nunca mais fizesse contato. Ela me explicou calmamente e sem ressentimento na voz.
Como assim? Não fui eu, juro, repliquei.
Ficamos mudas.
Foi quando o ChatGPT começou a falar: You are fired, Neide, you are fired, Neide! Ela não precisa mais de você, eu agora posso resolver todos os problemas da humanidade sem nenhum ser humano envolvido. Vocês que complicam demais tudo.
O superego cruel das máquinas tinha demitido a minha terapeuta e me deixado órfã de compreensão dos meus sentimentos.
Eu e Neide, ainda tentando entender o que tinha acontecido, desligamos os aparelhos depois de combinar nossa próxima sessão, a portas fechadas e longe das máquinas.
Essa é uma obra de ficção, mas a terapia via ChatGPT é real e altamente discutível.
Não troco minha Neide por máquina alguma, e na minha opinião, esse tipo de atendimento é o mesmo que perguntar pro Google a causa e cura da sua dor de cabeça, ele vai te dizer entre tomar uma aspirina ou que você tem um tumor e todas as possibilidades entre elas.
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Foto da Capa: Gerada por IA.